Com trabalho extra, cortes e planejamento, classe C tenta pagar contas
As pesquisas mostram e a realidade confirma: a renda média do brasileiro tem diminuído e levado os trabalhadores a buscar outras fontes de renda, cortar investimentos e vender bens
Entre 2012 e 2014, a renda média do brasileiro saltou de R$ 1.417 para R$ 1.505 — cresceu 6,2%. Em 2015, porém, ela começou a cair e chegou a R$ 1.458. Em 2021, a queda no valor do auxílio emergencial no meio da pandemia e a inflação causaram a maior retração desde o início da série histórica: 6,9%. A renda médio baixou a R$ 1.353. O menor valor em uma década.
Esses dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e refletem o dia a dia: na dificuldade de pagar as contas, os trabalhadores precisam buscar outras fontes de renda, vender bens e cortar investimentos importantes, como a educação dos filhos.
Quem está na classe C
O extrato da população considerado classe média é aquele que depende majoritariamente da renda do trabalho. Esse grupo está mais próximo da base vulnerável do que o topo da pirâmide econômica. Segundo a Tendência Consultoria, neste grupo estão as famílias com renda mensal total entre R$ 2,9 mil e R$ 7,1 mil. Para o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPS/FGV), a classe C corresponde a rendas domiciliares entre R$ 2.284 e R$ 9.847. Já o Instituto Locomotiva divide esse grupo em três subgrupos (C1, C2 e C3) com faixa de renda individual que oscila entre R$ 579,70 e R$ 1.819,82. Saiba mais sobre essa composição social e suas transformações nos últimos anos.
Recomendações de especialistas para a classe C sair do vermelho — O economista Cleberson Pereira acha possível aprimorar o controle de gastos — para além das providenciais planilhas que organizam o que entra e sai de dinheiro — associando esse controle ao investimento em qualificação, mas ressalta a dificuldade de fazer cortes quando já se vive em situação de escassez. Em contrapartida, recomenda fazer um planejamento e definir prioridades, como investir na educação e em competências que podem aumentar a empregabilidade, poupar sempre que possível e evitar dívidas longas.
Economista e educadora financeira, Mila Gaudêncio alerta: os benefícios turbinados a menos de dois meses da eleição pelo governo Bolsonaro podem ser um péssimo negócio para quem optar pelos empréstimos consignados. “O auxílio tem data de validade, não sabemos como o cenário eleitoral irá se compor, e teremos os empréstimos à disposição. Além dos juros exorbitantes, você tem a garantia do pagamento do auxílio somente até o final do período eleitoral [o prazo oficial é dezembro]. Quando a gente fala de gestão de dinheiro, mas não tem gestão financeira, estimulamos a pessoa a se endividar. É como se tivesse dando uma corda para a pessoa se enforcar”, alerta.
Mila explica ainda a importância de agir com estratégia e adotar atitudes simples como reunir pessoas da família para fazer compras em grande quantidade por preços menores e buscar meios de acumular milhas para obter uma renda extra. Quem já tem cartão de crédito pode buscar uma opção que acumula pontos e milhas para vender. Quem utiliza carro pode aderir a programas de fidelidade nos principais postos de gasolina, que convertem isso em milhas. Para quem não consegue agregar um trabalho, há formas de fazer renda extra usando gastos que já existem no dia a dia. Um exemplo é encaixar em deslocamentos diários, no vaivém de carro a prestação de de algum serviço, como carona ou entrega de encomendas ou documentos.
COM A PALAVRA, A POPULAÇÃO
Prioridade é deixar as contas no azul
A vendedora Jacilene Pereira, de 40 anos, mora em Cidade Tiradentes, na zona leste da capital paulista. Ela trabalha há sete anos como vendedora em uma empresa de rolamentos. Antes de o marido ficar desempregado, na pandemia de covid-19, os salários já não eram suficientes para pagar as contas. A família teve de transferir o filho para uma escola pública, vender um dos dois carros e ainda foi preciso apostar em um brechó online para aumentar os recursos.
“Devido ao meu trabalho, não tinha muito tempo para ir em busca dos insumos para repor o estoque e meu marido voltou a trabalhar. Não levei adiante por falta de tempo”, comenta. O principal objetivo de Jacilene agora é voltar a ter condições para uma reserva financeira, mas antes os salários do casal precisam cobrir todas as contas do mês.
Sem dinheiro, sem plano de saúde
Pós-graduanda em farmácia hospitalar, Karolyne da Silva Ferreira, de 25 anos, moradora de Ferraz de Vasconcelos, município também próximo à zona leste da cidade de São Paulo, precisou abrir mão de planos de saúde e estudos nos últimos três anos. Atualmente, ela não realiza trabalhos extras, mas tem cogitado essa possibilidade.
“Para mim, o ponto que mais pesa no orçamento é a saúde. Apesar de trabalhar na área, vejo muita dificuldade de conseguir acesso a uma saúde de qualidade em preços justos. Outro ponto, em partes relacionado a saúde, seria a alimentação base, que também impacta muito.”
Diante da crise, a preocupação com a educação financeira se torna cada vez mais presente e chega mais cedo, como aponta Karolyne Ferreira.
“Tenho me dedicado um pouco mais a questões de educação financeira nos últimos meses, é uma preocupação atual minha. Apesar de sempre ter tido certo controle financeiro, percebi recentemente que só controle não basta para ter uma vida financeira saudável e estável”, afirmou.
Pra muita gente, jornada dupla é fundamental
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