Crise na educação: professores estão pessimistas com o ano letivo
Além dos prejuízos à aprendizagem com as escolas fechadas na pandemia, especialistas em educação destacam problemas de saúde mental e de relacionamentos dos estudantes
Com reportagem de Renata Cafardo, O Estado de S. Paulo
Apenas 1 em cada grupo de 10 dos professores do Brasil acha que seus alunos aprenderão, neste ano, o que estava previsto. Mesmo depois de um semestre de aulas presenciais, as escolas ainda sentem os impactos da pandemia, que devem durar alguns anos. Segundo especialistas, a falha na aprendizagem ocorre não só pelos conteúdos que deixaram de ser ensinados com as escolas fechadas como também por causa de problemas de saúde mental e de relacionamentos dos estudantes.
Os números vêm de uma pesquisa realizada no primeiro semestre com professores de escolas públicas e particulares de todo o país pelo Instituto Península. Ao serem questionados sobre como está a aprendizagem dos alunos na volta às aulas, 11% disseram que devem cumprir o esperado para o ano letivo. A mesma pergunta havia sido feita em 2020, quando o índice foi de 26%, e em 2021, quando 14% tinham dito que seus alunos aprenderiam o previsto.
Os professores também dizem que convivem com alunos desconcentrados, desmotivados e com dificuldade em se relacionar com colegas. “Percebo uma fragilidade emocional muito grande, eles estão muito ansiosos, com medo, insegurança, isso tudo reflete na aprendizagem”, diz o professor de ensino médio Leonardo Medeiros, de 41 anos, que dá aulas em uma escola pública e numa particular. Para ele, mesmo depois de um semestre de aulas presenciais ininterruptas, os alunos ainda não voltaram a ter uma “cultura de escola”.
Motivação — Medeiros diz que precisa de novas estratégias para atrair o aluno que passou muito tempo em casa, fazendo tudo pelo computador ou celular. “As estratégias antigas não funcionam mais, eles não prestam atenção”, conta. Segundo a pesquisa, a maior parte dos professores (60%) acredita que a maneira mais efetiva para aumentar a motivação e aprendizagem dos alunos seria um maior envolvimento das famílias. Um número menor, 45%, acredita que o reforço escolar é o que ajudaria mais.
Os professores, apesar de também sofrerem de questões emocionais estão mais preocupados com a saúde mental dos alunos do que com a própria — 60% deles se dizem sobrecarregados, um número que só cresce desde que a pesquisa começou a ser feita em 2020, no início da pandemia. E só 36% relatam que há equipes de apoio psicológico aos estudantes nas escolas em que trabalham.
Diretores de escolas têm relatado maior frequência de problemas de agressividade, ansiedade e até suicídio entre os adolescentes.
Para a diretora executiva do Instituto Península, Heloisa Morel, as escolas devem compreender que a saúde mental é um desafio que agora faz parte da educação. “É preciso olhar para a educação com uma visão integral. E isso não é missão para um ano só, vai durar bastante”, diz.
Além disso, afirma, as redes precisam escolher os pontos mais importantes do currículo que serão ensinados e formar os professores para isso. “Aos poucos conseguiremos ir ampliando até poder chegar novamente em um currículo dado de maneira plena”, explica. Para ela, muitas secretarias de Educação têm trabalho já dessa maneira, mesmo sem nenhuma coordenação do Ministério da Educação (MEC).
O Brasil foi um dos países que mais tempo ficaram com escolas fechadas durante a pandemia de covid-19, com grandes danos à aprendizagem dos alunos, especialmente os mais vulneráveis e sem acesso à internet. A maioria das redes de ensino públicas só retornou às aulas presenciais em 2022.
Apesar de o MEC ainda não ter divulgado os resultados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2021, outras pesquisas estaduais já mostram déficits de aprendizagem que correspondem a uma década em Português e Matemática.
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