A entrega voluntária para adoção é um procedimento legal. Não é crime. Não é abandono. Saiba como funciona:
O assunto entrou em evidência após a atriz Klara Castanho ter sua opção de entrega para adoção exposta, contra a sua vontade, na internet. Klara tem 21 anos e foi vítima de estupro. Descobriu a gestação de forma tardia e procurou a Justiça para garantir que a criança fosse adotada por outra família. A entrega voluntária não é crime, mas a divulgação dessa informação, como ocorreu com Klara, é proibida, porque a legislação prevê o direito ao sigilo para a mulher que não deseja ficar com a criança
“Muitas [mulheres] chegam com informação porque procuraram, pesquisaram. Podem ter sido vítimas de abuso sexual e encaminham para a entrega porque quando chegam ao serviço já não conseguem o aborto. Às vezes universitárias, bebês de relacionamentos extraconjugais” (Angélica Gomes, assistente social do Tribunal de Justiça de Minas e assessora técnica de serviço social da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção)
A IMPORTÂNCIA DA ENTREGA VOLUNTÁRIA E LEGAL
O processo visa a evitar situações chamadas de “adoção à brasileira”, quando um recém-nascido é entregue de forma irregular a uma família que se passa pela biológica. Segundo Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), ainda é comum que profissionais de saúde façam essa intermediação irregular, fora do olhar da Justiça. O problema disso é que nem sempre a família que recebe uma criança nessas condições está preparada ou tem boas intenções. Já as cadastradas na Justiça para adotar passam por cursos e avaliações psicológicas.
A entrega voluntária também ajuda a evitar situações de abandono de bebês. Segundo a juíza Samyra Remzetti Bernardi, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e integrante do Fórum Nacional da Infância e da Juventude do CNJ, hoje no Brasil são oito crianças abandonadas por dia – número maior, portanto, do que a de entregues regularmente à adoção.
OBSTÁCULOS À ENTREGA VOLUNTÁRIA
FALTA DE INFORMAÇÃO E DE PESSOAL
Além dos julgamentos à mulher, a entrega voluntária para a adoção enfrenta gargalos técnicos. O atendimento à grávida ou à mulher que acabou de dar à luz deveria ser rápido e contar com equipe multidisciplinar, o que nem todas as localidades têm. Varas que não são exclusivas para Infância e Juventude vivem o desafio de priorizar esses casos em meio a processos de outras naturezas também urgentes, diz Hugo Zaher, juiz da Infância e Juventude de Campina Grande (PB) e presidente do Fórum Nacional da Justiça Protetiva.
Há também a necessidade de formação para profissionais de saúde, conselheiros e demais envolvidos no atendimento à mulher para conhecerem essa possibilidade e encaminhar os casos. Maternidades, por exemplo, devem estar preparadas para atuar caso uma mulher manifeste a intenção de entregar a criança para a adoção no momento do parto. Juízes relatam alta rotatividade de equipes, o que dificulta a formação dos quadros para lidar com essas situações.
“Ainda é muito estigmatizado. As pessoas acham que é errado, que é abandono. As mulheres se sentem julgadas e muitas acabam com medo de comparecer à Justiça” (Samyra Remzetti Bernardi, juíza do Fórum Nacional da Infância e da Juventude do CNJ)
Três crianças são entregues voluntariamente para a adoção por dia no Brasil. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que de 2020 a maio de 2023 foram registradas 2.734 entregas desse tipo, que são previstas pela lei. Para especialistas, o número poderia ser maior, se houvesse mais informação para as mães e menos estigma sobre as decisões.
Com reportagem de Júlia Marques, O Estado de S. Paulo