Popular pelas letras e citações do grupo de rap Racionais MC´s, o Capão Redondo, bairro da Zona Sul de São Paulo, é berço também do estilista, DJ, produtor e articulador cultural Louis Guxtrava, de 25 anos — um artista que transformou um incômodo em inspiração quando em 2015, insatisfeito com o perfil restrito do mercado da moda, criou a Indignação Queer. No início, a marca de roupas era dedicada à customização. Dois anos depois, pautada na cultura LGBTQIA+, passou a produzir as próprias peças.
A grife tem como público-alvo a população periférica que gosta de streetwear. Quando cria, Guxtrava se preocupa em fazer com que a roupa seja acessível visual e financeiramente aos que vivem em seu bairro, praticando preços muito mais baixos do que os das grandes lojas.
Em um ambiente onde as ideias de estilistas fora dos centros são muitas vezes copiadas e transformadas em roupas vendidas a valores que eles mesmos não podem pagar, o objetivo é ocupar espaços populares para aumentar a divulgação das marcas.
“O mercado da moda está abrindo o olhar para gente, mas ainda é muito restrito. Já me vi muito longe desse espaço, mas algumas iniciativas como a Casa de Criadores acabam por abrir um pouco mais as portas”, afirma.
A Casa dos Criadores é a principal iniciativa dedicada à moda autoral brasileira. Desde 2017, o instituto responsável pelo evento promove o lançamento de novos talentos e insere nos desfiles discussões sobre temas como gênero e raça
Guxtrava explica que o trabalho com moda na periferia demanda alianças para realizar apresentações, feiras e vencer um dos principais desafios dos microempreendedores: a falta de divulgação. Locais como as Fábricas e Casas de Cultura mantidas, respectivamente, pelo Governo de São Paulo e pela Prefeitura, servem de base para encontros, trocas de experiências entre os estilistas e também comercialização das roupas.
Sem gênero
O mundo da moda sempre foi parte da vida de Guxtrava. Ficava fascinado com os figurinos utilizados por artistas e bandas nos clipes que assistia quando adolescente. Remetiam às roupas produzidas pela mãe costureira, Jailza Lopes, que ainda mantém o ateliê da Jaja no Capão.
O olhar voltado à máquina de costura despertou o desejo de pesquisar mais sobre desenhos, tecidos e linhas e o levou a um curso de corte, costura e modelagem que concluiu ao lado da mãe.
A motivação para as primeiras peças surgiu a partir do olhar sobre si. Os modelos que via pela TV na passarela eram muito distantes da realidade que conhecida. O caminho foi buscar roupas em brechós e adaptá-las, num processo que originou a ideia de moda sem gênero.
As roupas que cria e vende por valores que vão de R$ 15 a R$ 100 são, em sua maioria, únicas. O estilista as define como não binárias. Segundo ele, não importa para quem parecem ter sido feitas, são produzidas para que se possa usar como quiser. Por isso, aspectos como modelagens mais largas são uma preocupação.
Influenciado por Vivienne Westwood, estilista britânica que desenhava as roupas utilizadas pela banda punk Sex Pistols e um ícone para o figurino do movimento na década de 1970, Guxtrava também busca questionar o sistema por meio da moda. Encontra inspiração nas ruas de seu bairro e busca fazer de sua grife uma forma de se posicionar politicamente, questionar desigualdades e colocar sob os holofotes quem é lançado às bordas.
Tudo isso temperado com pitadas de brasilidade e com a forma como a mãe vive e enxerga o mundo. “Minha maior inspiração é ela, uma mulher que tem muita força de vontade em fazer acontecer e também muita referência de brasilidade. Sempre tento fazer com que minha criação dialogue com a periferia, com o funk, o rap. Vejo estilos de pessoas que curtem esse som e junto com minha forma de enxergar o mundo”, define.
Fora do mapa As roupas e costumes das comunidades já foram tema de novela, em 2015, com I Love Paraisópolis. O folhetim exibido pela rede Globo ainda rendeu o documentário Favela é Moeda (2021). Ainda assim, iniciativas como a de Guxtrava têm dificuldade para produção em maior escala.
Para ele, jovens estilistas periféricos encontram um cenário em que falta apoio para quem deseja possa viver exclusivamente da moda. “O grande problema é a falta de orçamento para poder investir na marca. Como no caso de muitos microempreendedores, faltam recursos para expandir. O que é um erro, se pudéssemos produzir mais, teríamos também mais empregos para costureiros e costureiras, entre outros trabalhadores”, afirma.
Dados do Instituto Locomotiva, o Data Favela e a Centra Única das Favelas (Cufa) mostram que 17,1 milhões de pessoas vivem em favelas e movimentam R$ 120 bilhões ao ano.