Mães negras relatam sua experiência na maternidade
No filme Medida Provisória, em exibição em todo o País, a personagem da atriz Taís Araújo grita que “a mulher negra é a mula do mundo”. A frase fomenta o debate sobre o papel da mulher negra na sociedade
A filósofa Djamila Ribeiro, no livro O que é lugar de fala? (Editora Letramento), diz que a “insistência em falar de mulheres como universais, não marcando as diferenças existentes faz com que somente parte desse ser mulher seja visto”. Para a especialista, é preciso olhar com atenção e entender as desigualdades de gênero.
A discussão não se esquiva do tema maternidade. Nem pode. Todas as mulheres experimentam o mundo de maneira diferente, mas será que é possível que ser mãe seja uma experiência igualitária? A maternidade para muitas é um período de renúncia, sacrifícios e dificuldades. Especificamente para mulher negra, porém, como tudo isso se apresenta?
Ainda no útero, o racismo já afeta pessoas negras. O percentual de meninas brancas grávidas na adolescência que têm acesso ao pré-natal é de 64%; esse número cai para 50% entre as jovens mães negras. Esses são dados preliminares de uma pesquisa sobre gravidez e maternidade na adolescência, divulgada inicialmente pelo jornal Folha de S.Paulo, e conduzida pela professora Dandara de Oliveira Ramos, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O Expresso na Perifa entrevistou três mulheres que contaram suas vivências como mães. São relatos de preconceitos direcionados às filhas, maternidade precoce, trabalho incansável e ausência compulsória.
Maternidade precoce — Viviane Ferreira, de 32 anos, é ajudante geral em uma confecção de roupas. Mora na periferia de Santo André e é mãe solo de duas crianças: Luara Kelly, 14, e João Miguel, 8. Nascida em Brasileira, uma pequena cidade do Piauí, foi mãe pela primeira vez aos 17 anos e sofreu com discriminação e preconceito. “As pessoas apontam muito o dedo. Foi muito dificil”, diz Viviane. “Me sinto forte, uma guerreira por tudo que eu passei.”
Os cabelos das meninas — Márcia Lemos, 50 anos, é professora de Língua Portuguesa. Mora em Osasco, cidade na Grande São Paulo. De ascendência negra e indígena, ela lembra da própria discriminação sofrida no trabalho. A chefe não a deixava usar o cabelo solto, dizia que estava “muito bagunçado”. Márcia é mãe de três jovens mulheres Lorena, Laís e Laiane respectivamente com 25, 24 e 23 anos.
Quando as meninas chegaram à fase escolar, foi a vez delas. “[O preconceito] Por causa do cabelo cheio, crespo e enrolado prejudicou bastante a autoestima delas”, conta Márcia. “Tentei mostrar para elas que não havia necessidade de se preocupar com isso porque os cabelos delas eram lindos; mas minha filha mais velha chegou a sofrer bullying até por causa lábios.” Na tentativa de apoiar as garotas a se mover por esses ambientes, a mãe conversou bastante com elas sobre a própria experiência.
A ausência — Greicy Kelly, de 29 anos, é ajudante geral. Mora Utinga, periferia de Santo André, e tem duas meninas: Lorena e Isabeli, de 2 e 4 anos. Por falta de escolha, sempre trabalhou fora de casa.
As três entrevistadas desta reportagem precisaram voltar ao trabalho logo depois do parto. Só Márcia conseguiu continuar estudando.
Perguntadas sobre quais são seus momentos de fragilidade, o sentimento de culpa de estar ausente em algumas situações é comum entre elas. Para Márcia foi na fase da adolescência: “Acho que deixei a desejar, foi justamente a fase que eu já estava trabalhando”. Já para Viviane esse sentimento se faz mais forte nas crises familiares.
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