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Nas periferias brasileiras, falta de gás leva mulheres a usarem lenha e ‘fogão caseiro’

Por: Beatriz de Oliveira, Nós Mulheres da Periferia . 16/12/2021

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Nas periferias brasileiras, falta de gás leva mulheres a usarem lenha e ‘fogão caseiro’

Moradoras de Salvador, Recife e São Paulo contam suas experiências

7 minutos, 52 segundos de leitura

16/12/2021

Por: Beatriz de Oliveira, Nós Mulheres da Periferia

Foto: Aline Cristina Pereira de Carvalho/Getty Images

Um levantamento do Observatório Social da Petrobrás diz que o gás de cozinha teve alta de 48% acima da inflação, entre 2016 e 2021. Nos números da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, o preço médio nacional para um botijão de 13 quilos é, atualmente, R$ 120,40.

Enquanto isso, o Congresso Nacional deixou de votar, na segunda-feira, 13 de dezembro, o Projeto de Lei 42/2021. O PNL abre crédito especial de R$ 300 milhões no orçamento federal para o pagamento do Auxílio Gás, decretado no dia 3 de dezembro pelo governo federal. A expectativa é atender 5,5 milhões de famílias neste ano. Mas, até agora, o vale ainda não saiu. O deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que presidiu da sessão, afirmou que não houve acordo com a base do governo para a aprovação do projeto. A informação é da Agência Senado. Enquanto isso, fora das paredes do Congresso, a lenha e o fogão de tijolo voltaram à cena nas casas de muitas brasileiras e brasileiros.

O Expresso na Perifa ouviu três mulheres que têm lidado com essa situação no dia a dia: Verônica Costa (Bahia); Angela Maria (Pernambuco); e Elizabete Viela (São Paulo). Moradoras das periferias, elas relatam viver na corda bamba entre a economia e a total ausência de gás.

No Rio de Janeiro, ouvimos Marina Ribeiro, coordenadora de projetos na ONG Criola, uma organização que há mais de 25 anos apoia mulheres negras e periféricas. Ela conta quais soluções a sociedade civil tem encontrado para minimizar os impactos negativos dessa realidade.

BAHIA

A mulher se vira nos mil. Nos 30 é pouco

Os pais e os três filhos de Verônica Costa, 38, moravam em Salvador, na Bahia. Com o início da pandemia de covid-19, avós e netos, esses com 17, 16 e 12 anos, se deslocaram para o Vale do Jiquiriçá, município da região centro-sul do estado. Para continuar trabalhando, Verônica e o marido ficaram na capital baiana.

Quando visitou a família no interior, no Natal de 2020, ela não ficou surpresa ao saber que sua mãe não usava mais gás e sim um fogão caseiro abastecido a lenha. A essa altura, a própria Verônica já estava desempregada e tinha dificuldades financeiras. Assim que voltou para Salvador, passou a usar o mesmo método: atualmente, faz a comida no quintal a cada 15 dias e congela as refeições para as semanas seguintes.

Na região em que Verônica mora, um botijão de gás custa entre R$ 95 e R$ 105 e, em sua casa, passou a ter um papel secundário. “Só uso para fazer café, sopa, e esquentar comida”, conta. Em novembro, recebeu a doação de um botijão. Revezando o combustível, ela pretende economizar e fazer durar o gás até fevereiro de 2022. “A gente é mulher e se vira nos mil mesmo, nos 30 é pouco”.

PERNAMBUCO

Onde a gente vai parar?

A economia familiar também está prejudicada na casa da cozinheira Angela Maria, 52. No Recife, ela vive na comunidade Roda de Fogo e encontra o botijão de gás por R$ 100. Agora que sua filha conseguiu um emprego, a possibilidade de compra aumentou. Mas há dois meses a situação era outra e Angela teve de usar lenha para cozinhar. “É muito frustrante”, desabafa. Em seguida, acrescenta que não é só o gás que falta, são os suprimentos do dia a dia, assim como o dinheiro para pagar as contas.

Angela mora com três netos e trabalhava fazendo doces e salgados para festas. Mas a pandemia e a necessidade de distanciamento tornaram os eventos escassos. “Parei de trabalhar.” Passados quase dois anos, ela quer voltar. “Tem uma hora que você não quer depender de ninguém, quer realmente recuperar sua dignidade”, explica. Mas, para isso, precisa garantir os recursos necessários e o gás é um deles.

A situação não é exclusividade de Angela. Em seu entorno, outras pessoas enfrentam o mesmo desafio. Ela questiona: “onde a gente vai parar?”. As parcelas que recebeu do Auxílio Emergencial foram usadas para comprar comida, já que “tem que priorizar” o essencial. Mas o valor do auxílio é insuficiente para o preço do gás e dos alimentos. Antes, era comum ter um botijão extra para quando o que está em uso acabar. Atualmente, ela conta nos dedos os vizinhos que conseguem fazer essa reserva. “Eu mesma só tenho aquele que está no meu fogão.”

SÃO PAULO

A gente não pode ficar sem comer

Elizabete Viela, 47, também recebeu Auxílio Emergencial. Em Paraisópolis, na cidade de São Paulo, seu trabalho é parecido com o de Angela: faz bolos para festas. Mas isso começou na pandemia, quando saiu do emprego de auxiliar de produção por problemas de saúde.

Ela mora com o marido, três filhos e um cunhado. O botijão é item essencial na confeitaria. “Preciso do gás para assar o bolo e preciso do gás para fazer o recheio”, diz. “As encomendas é só pela misericórdia do senhor.” Algumas semanas aparecem pedidos; em outras, não.

A boleira conta que o preço do gás de cozinha na sua região vai de R$ 110 a R$ 120. “Tô conseguindo [comprar] com muito sacrifício, mas estou. A gente não pode ficar sem comer”, diz.

Elizabete já recebeu a primeira parcela de R$ 100 do Vale Gás e há mais duas por vir. O benefício oferecido pelo governo paulista foi destinado a mais de 400 mil famílias. Mas o que tem segurado as pontas são as doações de cestas básicas recebidas há alguns meses, “isso tá ajudando muito a gente a sobreviver”, conta.

RIO DE JANEIRO

A gente vive, diretamente, um ataque aos direitos sociais

Marina Ribeiro, 48, é coordenadora de projetos na ONG Criola. Há mais de 25 anos a organização apoia mulheres negras e periféricas no Rio de Janeiro e, com a pandemia, começou a distribuir cestas básicas.

Marina destaca o protagonismo das mulheres na busca por soluções, ao mesmo tempo em que são as mais afetadas por esse cenário. Muitas improvisaram fogões caseiros feitos de tijolos, relata a ativista, porque ficaram sem dinheiro para comprar gás de cozinha. Outras tantas tiveram de pedir para o vizinho cozinhar alguma coisa ou entraram em contato com a ONG em busca de doação de gás. Em sua opinião, a forma como o governo federal tem conduzido as políticas públicas no país é inadequada.

Um exemplo é o Auxílio Emergencial. Aprovado pelo Congresso Nacional em 2020, começou a ser pago em parcelas de R$ 1.200 e R$ 600 em abril daquele ano. Meses depois, esses valores foram reduzidos a R$ 600 e R$ 300. Depois de uma paralisação, foi pago em 2021 em parcelas de no máximo R$ 250, até o mês de outubro. Em novembro, foi substituído pelo Auxílio Brasil (saiba mais no fim desta reportagem).

A respeito do vale para comprar gás, Marina afirma que, apesar de ser uma ajuda à população de baixa renda, o benefício “não garante que essas famílias tenham segurança alimentar e dignidade”. Acrescenta, ainda, que a quantia “não garante nem o valor total do gás”. No Rio, o programa estadual determina que, a cada dois meses, as famílias recebam 50% da média do preço nacional do botijão de 13 kg. Famílias com renda de até meio salário mínimo por pessoa ou em que algum membro recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC) têm direito ao benefício. Mulheres vítimas de violência doméstica com medidas protetivas terão preferência nos pagamentos.

“A gente vive, diretamente, um ataque aos direitos sociais. E as mulheres negras são as que mais sofrem”, afirma. “A população sofre com o aumento de tudo aquilo que é básico”. Uma consequência disso é não conseguir colocar na mesa itens como arroz, feijão e carne.

Em comparação, a coordenadora da ONG Criola destaca qualidades do Bolsa Família. Em sua avaliação, o programa considerou o valor fundamental da assistência social para o apoio às famílias e colaborou para a garantia da segurança alimentar dos beneficiários.

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