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Um tiro, várias vítimas: a banalização da morte em ações policiais

Por: Joel Luiz Costa, advogado e coordenador executivo do Instituto Defesa da População Negra . 28/04/2022

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Um tiro, várias vítimas: a banalização da morte em ações policiais

Um tiro, várias vítimas: a banalização da morte em ações policiais

4 minutos, 42 segundos de leitura

28/04/2022

Por: Joel Luiz Costa, advogado e coordenador executivo do Instituto Defesa da População Negra

Policiais durante patrulhamento na favela do Jacarezinho, no Rio Foto: Alexandre Loureiro/Reuters - 19/01/2022

Era noite do dia 25 de abril, uma segunda-feira preguiçosa de pós-carnaval, quando a favela do Jacarezinho — palco de uma chacina que está às véspera de completar um ano — ouviu um único tiro. Ao que parece, um tiro já não assusta. Um tiro gera, no máximo, uma expectativa ou uma leve apreensão.

Na real, quando se ouve um único tiro na favela a sensação que fica é a de curiosidade. Foi pistola ou fuzil? O que vem depois? Será que vem uma rajada? Uma invasão policial? Uma granada explodindo? Caveirão? Caveirão aéreo (helicóptero usado como plataforma de tiro)? Nesse dia, um único tiro foi o suficiente para ferir e matar. O tiro saiu da arma de um policial. O nome do jovem negro morto é Jonathan Ribeiro de Almeida.

Cidade (des)integrada — A favela do Jacarezinho está ocupada pelas forças policiais do Rio de Janeiro, a mando do governador Cláudio Castro, desde o dia 19 de janeiro deste ano. A ocupação veio a reboque do programa Cidade Integrada, uma iniciativa do governo do Estado que visa “recuperar” territórios de favelas, iniciado no complexo do Jacaré e da Muzena na Zona Oeste, e implementar programas e políticas públicas que possam melhorar a vida nesses territórios e combater o comércio varejista de drogas local.

Análise: 'Sem diálogo com moradores, Cidade Integrada é mais do mesmo'

Há 99 dias o Jacarezinho tem como única presença armada no local as polícias do Estado. O ciclo de violência permanece. Nesse período foram duas mortes sem nenhum registro de confronto, a prisão absurda do jovem Yago, capturado enquanto comprava pão na Rua Amaro Rangel, e uma série de denúncias de violências e violações, entre elas violência física, violação de domicílio e até abuso sexual. Se o objetivo do Estado era levar a “paz” — qual paz? pois paz sem voz, não é paz é medo — ele já fracassou. Se o objetivo era levar políticas públicas, a resposta é a mesma: fracasso.

Oficialmente o Estado não expõe o que fez, o que não fez e o que pretende fazer além de usar como palanque eleitoral um território com 70 mil pessoas — o governador Cláudio Castro quer se reeleger. As políticas públicas até o momento são um curso de formação para mulheres, chamado “clube da luluzinha” (sic), um posto do Detran instalado na quadra da escola de samba com serviços limitados e um serviço de fomento ao crédito local. Obras, habitação, conselho comunitário, fortalecimento dos laços locais e fomento à geração de emprego, entre outras coisas, ficaram somente nas matérias de jornais.

O que nos trouxe aqui — Mas a polícia não falta. Ela tá lá desde o dia 1, sem previsão para sair, e sua atuação nos trouxe aqui: o disparo do início do texto foi feito por um policial do Choque. Ele confessou que atirou em Jonathan Ribeiro de Almeida, um jovem negro de 18 anos, porque supôs ele iria sacar uma arma. Uma arma que nunca existiu. Os policiais disseram que Jonathan vendia drogas, junto a outros homens, na localidade conhecida como pontilhão. A acusação baseia-se apenas em depoimentos policiais, nada foi apresentado para comprovar a alegação.

Os moradores, porém, afirmam que os policiais atiraram, viram que o rapaz não apresentava nenhum risco e foram embora correndo sem prestar socorro à vítima.

A declaração policial mostra, entre outras coisas, o despreparo e total inviabilidade das polícias do Rio, com seus padrões ilegais de atuação, de realizarem policiamento ostensivo nas comunidades. Imagina se a qualquer temor imaginado os policiais pusessem atirar? É uma banalização da morte sem paralelo. Por isso há tantos casos de pessoas negras mortas pela polícia que tiveram furadeira, guarda-chuva e saco de pipoca (entre outros objetos) confundidos com arma de fogo.

Esse é o padrão de atuação no Rio.: se for preto, pobre, periférico e/ou favelado, atirar primeiro;  perguntar depois. Porque se for bandido tá OK, o sistema de justiça e a sociedade aceitam sua execução — a chacina do Jacarezinho e seus 15 inquéritos arquivados dão prova disso —, se não for a gente diz que é, que o Ministério Público não vai investigar mesmo — historicamente, o MP lava as mãos sujas e não cumpre seu papel constitucional de controle externo da atividade policial.

Assim, de Jonathans, Joãos e Kathlens, o Estado do Rio de Janeiro faz vítimas pretas e faveladas em profusão. Essa semana foi Jonathan, mas não só ele. Junto com ele foi sua paternidade — deixou órfão um bebê de 4 meses. Junto com Jonathan foi a maternidade de Monique, sua mãe, que aos 35 anos enterra seu primogênito. Junto com Jonathan foram a paternidade e a maternidade de seus avós, que o tinham como filho. Junto com Jonathan foi um pedaço de cada um de nós que tentamos não sucumbir à barbárie da política de segurança pública do Rio de Janeiro.

Há várias formas de matar, inclusive em vida, e o Estado brasileiro segue como executor dessas mortes. Por isso, falar em genocídio do povo negro, no país em que morre um jovem negro a cada 23 minutos, não é um grito de guerra. É análise real do Brasil em que vivemos ou sobrevivemos.


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