Descarbonização do transporte público: ‘Não precisamos de mais projetos para a eletromobilidade’
Sérgio Avelleda, com ampla experiência em moblidade urbana, defende medidas urgentes que acelerem a transição energética no transporte público
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01/10/2024
Por: Mário Sérgio Venditti
Muito comprometido com temas que envolvem a mobilidade brasileira, o coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Insper, em São Paulo, Sérgio Avelleda, teve atuação destacada na organização do “Guia de Eletromobilidade para Cidades Brasileiras – Transporte Público”, sobre descarbonização do transporte público.
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Com 206 páginas, o guia, lançado em 20 de setembro, propõe a transição para um transporte coletivo mais sustentável e eficiente. Em entrevista ao Mobilidade, Avelleda fala sobre o guia e do cenário da eletrificação do transporte público.
Por que o Insper resolveu produzir o “Guia de Eletromobilidade para Cidades Brasileiras”, com foco na descarbonização?
A iniciativa reflete o compromisso da instituição com a inovação e a sustentabilidade, em um momento crucial para o futuro do transporte nas grandes metrópoles. O Insper entrou na discussão sem viés ideológico ou achismos.
Não há como negar: a eletrificação entrou em nossas vidas. Então, por que não uma contribuição acadêmica, sem o cunho de benemerência, mas sim de propor modelos viáveis de operação?
De que maneira o guia pode contribuir nas discussões sobre a descarbonização?
A obra é abrangente. Trata dos desafios, das barreiras para o desenvolvimento, de aspectos técnicos e de parcerias para ampliar as frotas elétricas. O guia pode ser uma referência na medida em que reúne as principais tendências e oportunidades na adoção de veículos elétricos no transporte público, descrevendo uma visão estratégica aos gestores, pesquisadores e interessados na mobilidade urbana.
Acho impressionante que a sociedade ainda não tenha entendido a urgência das ações. Desde 2021, a emissão de dióxido de carbono (CO2) vem aumentando ano a ano no Brasil.
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O Brasil está atrasado na eletrificação do transporte coletivo?
Vamos levar em conta a situação da América Latina. O Chile, que produz o equivalente a um quinto do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, lidera a transição energética, com 2.659 ônibus elétricos. Assim, vêm a seguir Colômbia (1.590 ônibus), México (694), Brasil (602) e Equador (106).
As capitais são as maiores responsáveis pelas frotas: Santiago (2.480 ônibus), Bogotá (1.480) e Cidade do México (557). No Brasil, São Paulo lidera o ranking, com 381 veículos. O governo colombiano, por exemplo, já deu o recado: não quer mais ônibus a diesel. Aqui, ainda há um caminho longo.
O que precisa ser feito?
Em primeiro lugar, não podemos ser vítimas de certos paradoxos. Algumas cidades brasileiras, como Porto Alegre (RS), compraram ônibus elétricos e, ao mesmo tempo, desfizeram as faixas exclusivas. Depois, voltaram atrás. Isso é puro marketing em prol de uma causa sustentável que, na prática, não existe. A cidade que trava exclui os usuários. E se exclui, perde competitividade.
Como recuperar a competitividade?
Eliminando um desequilíbrio absurdo. Com a pandemia de covid-19, estimulou-se ainda mais o transporte individual em contraposição aos ônibus. O transporte público vem perdendo passageiros nos últimos anos. Não é para menos: os governos insistem em priorizar o automóvel.
Não adianta trocar ônibus a diesel pelos elétricos se eles ficarem vazios. A cidade de São Paulo, por exemplo, possui 17 mil quilômetros de vias. Cerca de 80% são destinadas aos carros, que transportam somente 30% das pessoas.
Entretanto, o automóvel ainda é símbolo de status e liberdade. É um fetiche. Não somos contra ele, mas precisamos deslocar um pouco o eixo das prioridades.
Hoje, vale a pena para as empresas investirem em ônibus elétricos?
O custo de propriedade apresenta muita diferença entre os ônibus elétricos e os a diesel. O movido a diesel tem cerca de 15 mil componentes, contra 1.500 dos elétricos. A complexidade dos elétricos se encontra no fornecimento e na tarifa de energia.
Então, para investir, elas precisam do apoio do governo, porque nenhum operador está disposto a perder dinheiro.
A instalação da infraestrutura de recarrega nas garagens é a principal barreira?
O guia discute modelos de financiamento e aquisição e debate os desafios da infraestrutura. O País não apresenta problemas no fornecimento de energia, mas sim como ela vai chegar às garagens das empresas.
Como resolver a questão?
Uma das soluções é criar, quando possível, uma conexão entre as garagens e subestações do metrô, que forneceriam energia de recarga durante a madrugada, quando os trens estão parados.
Outros tipos de combustíveis verdes não devem entrar na pauta da neutralidade de carbono do transporte público?
Muita gente pergunta: por que não defender também a adoção do biodiesel e do hidrogênio verde na transição energética? Simples: porque a solução que se apresenta globalmente é o veículo elétrico. E essa discussão não pode ser adiada, com o argumento de que “vamos comprando veículos a diesel e ver o que vai dar”.
Nas cidades brasileiras, existem planos bem estruturados para a eletrificação do transporte urbano?
Não precisamos de mais projetos-piloto. Podemos pular essa etapa, porque existe farta literatura sobre o assunto e exemplos práticos de eletrificação.
Uma reflexão importante é que o planejamento urbano das cidades tem total ligação com a descarbonização do transporte público. Eles caminham juntos. Cidades com problemas de planejamento urbano invariavelmente têm dificuldades com mobilidade.
O sr. crê que o guia vai suscitar reflexão entre autoridades, academia e usuários?
Espero que sim, porque do jeito que está, o recado é “por favor, não use transporte público”. Não sou a favor de medidas populistas nem da tarifa zero. Mas poderia haver uma redução nos preços para estimular o uso de ônibus.
Nesse sentido, estudos indicam que se a tarifa diminuísse 50%, os veículos ficaram 22% mais ocupados nas grandes cidades.
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