Transição energética: estudo do ICCT revela que eletrificação pode gerar milhares de empregos
Pesquisa do ICCT mostra como fabricação doméstica de veículos elétricos e componentes tem potencial de alavancar a indústria automotiva

Os resultados de estudos sobre a eletrificação veicular no Brasil, na maioria das vezes, apontam as previsões de crescimento da frota e a expansão da infraestrutura de recarga nos próximos anos.
Uma pesquisa inédita do Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT), com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), vai além, ao lançar luz sobre outros temas muito relevantes para a sociedade brasileira: como a transição energética pode impactar a geração de empregos e a equidade de gênero no mercado de trabalho em um cenário até 2050.
O estudo “A transição do Brasil para veículos elétricos e seus efeitos em emprego e renda” foi conduzido por André Cieplinski, pesquisador associado do ICCT, auxiliado por Pedro Romero Marques e Luiza Nassif Pires, do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP).

Para dar a medida da sua importância, o trabalho – que levou dois anos para ser preparado e exigiu seis revisões – foi apresentado em Brasília (DF), nesta terça-feira, 10 de junho, com as presenças de representantes dos ministérios do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Trabalho e Emprego (MTE) e Meio Ambiente e Mudança de Clima (MMA).
“O objetivo é qualificar o debate sobre a eletrificação e desmistificar a narrativa de que o número menor de peças do veículo elétrico significa menos postos de trabalho”, assinala Cieplinski. Uma das conclusões do estudo é que a mobilidade elétrica tem potencial para alavancar uma nova indústria nacional, tanto na montagem final dos veículos quanto na produção de baterias.
O estudo adotou dois cenários. O base considera a continuidade das tendências atuais na produção de veículos a combustão e aumento moderado nas vendas de elétricos, com projeções até 2050. Já o cenário Eletrificação reflete um crescimento ambicioso de veículos elétricos na frota, mostrando as oportunidades do País em movimentar a economia com a produção domésticas de carros e componentes.
Leia também: Estudos apontam caminhos em busca da eletrificação do transporte coletivo no País
Faltam políticas públicas para acelerar a transição energética
“Há um forte questionamento se a eletrificação cortará empregos no Brasil. A resposta depende de algumas variáveis”, afirma o pesquisador do ICCT. “Na Europa, um levantamento mostrou que o nível de emprego cairá 30%, mas ele só levou em conta o segmento de autopeças e não falou, por exemplo, da fabricação de baterias.”
No caso do Brasil, ele argumenta, todos os setores devem ser avaliados, considerando a hipótese de que os veículos elétricos e seus insumos e componentes – como motores, inversores, pneus e baterias – se tornarão conteúdos domésticos. “Isso vai impulsionar a formação de uma indústria de veículos elétricos, capaz de fomentar empregos de qualidade”, destaca.
Por outro lado, Cieplinski adverte: “Ao contrário de países vizinhos como Chile e Colômbia, o Brasil ainda carece de políticas públicas e incentivos para beneficiar o conteúdo doméstico. A maneira mais rápida de derrubar os empregos no cenário de transição energética é não produzir nada e se transformar em mero importador de carro elétrico”.
O relatório de 42 páginas revela que a eletrificação tem condições de aumentar em 116% o número de empregos até 2050 em comparação ao cenário base, em setores como manufatura, serviços, construção, agricultura e transportes.
Segundo Cieplinski, o potencial de crescimento é explicado pelo aumento da demanda agregada à curva de vendas de veículos elétricos e do incremento de produção nacional de baterias. A maior geração de empregos se concentra na categoria Serviços, composta por 23 setores impactados diretamente pela indústria automotiva.
“Metas ousadas de eletrificação são capazes de alargar a capacidade geradora de emprego da indústria automobilística no Brasil, em contraste aos cenários que apresentam objetivos mais conservadores”, atesta o pesquisador.
No melhor cenário, serão aproximadamente 200 mil novos empregos na produção de veículos elétricos daqui a 25 anos. Na contramão, 100 mil postos deixam de existir devido ao encolhimento da produção dos carros com motor a combustão e de autopeças. “Naturalmente, alguns setores tendem a encolher, mas a expansão de outros promoverá uma compensação, deixando a balança positiva”, destaca.
Leia também: ‘Ritmo da eletrificação está mais lento do que se esperava’, diz executivo da Siemens Digital Software
Produção de baterias locais
Há números mais superlativos. O cenário de 100% da produção local de baterias e veículos pode criar 3,35 milhões de empregos em todos os setores. “A abertura das vagas de trabalho depende da nacionalização das células e não apenas da importação dos insumos para, em seguida, montar a bateria aqui”, explica.
Com as baterias 50% domésticas, os novos postos de trabalho podem chegar a 2,7 milhões e, com o índice de nacionalização de 21%, o número projetado é de 2,3 milhões. Quando a pesquisa considerou o cenário base, a previsão é de 1,3 milhão até 2050.
Nesse contexto, a projeção é de que 66,5% dos postos de trabalho sejam ocupados por homens e 33,5% por mulheres. Essa distribuição é pior do que a média da economia nacional de 2019, que era de 59,9% contra 40,1%. “Essa desigualdade é histórica no setor”, depõe Cieplinski.
“Algumas áreas, como manufatura e transportes, ainda privilegiam os homens. No entanto, políticas públicas, incentivos e novas tecnologias podem mudar o perfil da mão de obra.”
De acordo com o estudo, a paridade de gênero na transição para os veículos elétricos deve pautar as discussões do setor, com programas de capacitação e inclusão profissional, ajudando, inclusive, a diminuir a distância salarial entre os homens e mulheres.
O total da renda também foi considerado no estudo. Com as vendas totais dos veículos, todos os setores arrecadariam cerca de R$ 230 bilhões em 2050, 85% a mais que no cenário base. Desse montante, a divisão seria de 53% destinados aos salários e 47% ao lucro das empresas.
Para Cieplinski, o Brasil possui as ferramentas necessárias para promover a transição e acelerar sua economia. O consumidor vem aumentando a demanda por veículos elétricos e o País está em posição favorável na geração de empregos com a eletrificação. Porém, ele faz a ressalva: “A janela existe, mas não é longa. Quanto mais demorarmos para dar esse passo decisivo, mais para trás ficaremos”, completa.
Para ver o estudo completo, acesse aqui
Quer uma navegação personalizada?
Cadastre-se aqui
0 Comentários