Quanto custa a COP-30 esnobar o debate sobre mobilidade urbana?
A COP-30 marcou o retorno da sociedade civil ao evento, mas também reuniu número recorde de lobistas pró-combustíveis fósseis
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27/11/2025
A COP-30, realizada em Belém entre os dias 10 e 21 de novembro, marcou o retorno da sociedade civil ao evento, mas também reuniu número recorde de lobistas pró-combustíveis fósseis. Mesmo assim, a mobilidade urbana seguiu fora do centro do debate, apesar de ser uma das principais fontes de emissões de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil e no mundo. Em cidades como São Paulo, que registrou a pior qualidade do ar entre 120 cidades avaliadas em setembro passado, a queima de derivados de petróleo segue como vilã. E a eletrificação, embora celebrada, não resolve tudo: baterias não surgem do nada e não eliminam os enormes custos do excesso de carros — R$ 50 bilhões ao ano em mortes e mutilações, segundo o Ipea.
Belém, sede da COP, tem forte cultura da bicicleta e investimentos recentes em ciclovias. Pedalei todos os dias durante o evento e confirmei a contradição: muita gente pedalando, algumas conexões no centro, quase nenhum bicicletário e, no debate oficial, a bicicleta seguia à margem. O mesmo vale para o caminhar, em meio a calçadas precárias, sarjetas profundas e raras rampas de acessibilidade.
Ainda assim, ativistas se multiplicaram para marcar presença. No primeiro dia, participei de uma mesa organizada pela Secretaria Executiva da Presidência e pela Cidade Ativa. Apresentei dados da C40 sobre a criação de 50 milhões de empregos verdes até 2030; Clarisse Linke falou sobre os diferentes impactos da emergência climática nas cidades; e Simon Fan criticou a tecnologia que nos captura no “scroll infinito”. A mediação de Mariana Wandarti destacou temas urgentes, como a falta de dados de adaptação e a financeirização da vida pelas big techs.
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‘Comprar ônibus elétrico é fácil; difícil é criar novos corredores’
Em outra casa paralela da COP, ouvi uma fala certeira da Clarisse: comprar ônibus elétricos é fácil; difícil é criar novos corredores. Lembrei de São Paulo, onde a compra de 1.000 ônibus elétricos parece grande, mas é mínima diante de uma frota de 14 mil e de apenas 135 km de corredores exclusivos.
A bicicleta ganhou espaço nos dias 14 e 15, com o “Pedalando por Justiça Climática”, organizado pela UCB, Paráciclo e Ruth Rocha. A bicicletada encerrou a Marcha dos Povos, que levou mais de 70 mil pessoas às ruas, reafirmando a força dos movimentos sociais frente ao caos climático que criamos.
Na segunda semana, o Ministério das Cidades promoveu um painel sobre mobilidade ativa, com WRI, Instituto Caminhabilidade, UCB e Paraciclo. Marcos Daniel lembrou que o Ministério precisou ser reconstruído há apenas três anos, após o desmonte anterior — trocar a câmara da bicicleta enquanto pedalamos.
A programação do Espaço Ruth Costa seguia vibrante, e ainda fui acolhido pelos Coalas, coletivo que “cuida de quem cuida”. Entre as boas notícias, destaque para o lançamento da Trilha Amazônia Atlântica: quase 500 km conectando 16 municípios, possível rota alternativa para peregrinos do Círio e exemplo de política pública que gera economia local, valorização cultural e educação ambiental.
Por fim, vale explicar a quem, como o casal do hostel onde fiquei, não sabia “que evento era esse”: a COP é a Conferência anual da ONU sobre Mudanças Climáticas, cuja 30ª edição ocorreu em Belém. As próximas serão na Turquia e na Etiópia. Que nelas o debate sobre transporte público, calçadas e bicicletas enfim receba o espaço que merece.
Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão
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