Condição financeira, localidade e raça influenciam o acesso a um bom parto no Brasil
Uma a cada quatro gestantes brasileiras são vítimas de violência obstétrica
Ao contar detalhes presenciados durante sua primeira gestação, a terapeuta Renata Soares, que mora em Niterói (RJ), compartilha de momentos traumáticos vivenciados por uma a cada quatro mulheres gestantes no Brasil, conforme aponta a pesquisa Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado. Criadora do Coletivo Colo — um grupo de amparo e roda de conversas para as mulheres que cuidam da família —, ela relata que o atendimento concedido trouxe uma sensação de desamparo e de que a condição de grávida era uma doença.
Reportagem de Ariel Freitas, Favela em Pauta, no Rio de Janeiro
“A gravidez não é uma doença, mas quando a gente vai para o hospital [na gestação] muitos direitos são negados, como o poder de fala e o tratamento concedido. É uma banalização excessiva no atendimento, que faz perder o lado humano da ocasião e gera um trauma, pois é um momento de vulnerabilidade, de muita exposição”, diz a terapeuta.
Renata também aponta outro fator que atravessa o período de gestação no País e que ignora as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS): a decisão de realizar o parto através da operação cesariana. A indicação desse tipo de procedimento recai sobre 15% dos casos, no entanto o Brasil é o segundo país do mundo em cirurgias desse tipo – elas correspondem a mais da metade dos partos.
Cirurgia: O Brasil é o segundo país do mundo em cesarianas 55,5% dos partos são cesáreas Na República Dominicana, que lidera esse ranking, a taxa é de 58,1% A indicação de nascimento nesses casos é de 15%. Fonte: OMS
Durante todo o acompanhamento da gravidez, Renata afirma que era falado que seu parto seria natural, mas, quando chegou o momento, as informações mudaram de uma hora para outra e o médico decidiu por cesárea, que tem local e horário para o filho nascer. “O meu desejo não foi levado em consideração e acredito que isso seja uma violência hospitalar, pois senti muita dor e não estava preparada pra isso.”
Violência não é natural
Maria de Conceição, moradora do bairro de Bom Jesus, na periferia de Porto Alegre (RS), tem as emoções sacudidas ao relembrar os estresses gerados pelas ações de um parto traumático. Mãe do João Felipe, de 10 anos, ela teve o parto natural realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas comenta que não houve um zelo nesse momento.
“Eu sinto que quando tocaram o meu corpo, não houve nenhum tipo de cuidado. Me senti invadida, como se não tivesse direito a nada”, desabafa. “Lembro de muita dor e de pedir mais anestesia. Acredito que não recebi a dose correta de propósito.”
No Brasil, a saúde pública é um alvo constante de críticas na condução de parto natural e cesárea. De acordo com o Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento, um estudo realizado pelo grupo Nascer no Brasil, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 45% das gestantes que realizam o parto pelo SUS são vítimas de maus-tratos. Dentro desse índice, o grupo de pessoas mais sujeitas a essa violência hospitalar são as negras, pobres, grávidas de primeira viagem, mulheres jovens e de gestações de parto prolongado.
Adolescentes: 42% das gestantes adolescentes incluídas no estudo (19%) fizeram cesariana 2/3 das adolescentes tinham atraso escolar, estavam fora da escola e pertenciam às classes D e E 71% era pretas ou pardas. Fonte: Fiocruz
A pesquisa também indica que localidade e condição financeira influenciam o tratamento recebido no pré-natal e no parto.
Apesar de ser uma denúncia constante nos hospitais brasileiros, a violência obstétrica não é reconhecida como crime e, desde 2019, o termo é considerado “inadequado” pelo Ministério da Saúde. De acordo com a instituição, os profissionais não desejam, não têm a intenção, de causar danos às gestantes.
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