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Não olhe para cima

Por: . 09/02/2022

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Não olhe para cima

“Está claro que não é o tamanho da economia de um país que determina a sua capacidade de cortar carbono do seu sistema de transporte.”

3 minutos, 58 segundos de leitura

09/02/2022

No Brasil, sente-se falta da liderança do governo central na estratégia nacional de eliminação do carbono na mobilidade urbana. Foto: Getty Images.

O planeta vive uma emergência de escala global que atinge a todos os seus habitantes, sem exceção. Não me refiro à pandemia da covid-19. O aumento na temperatura da Terra é um fato incontestável. A ciência também já logrou provar que a causa desse aquecimento é a atividade humana, especialmente a produção de gases que ocasionam a retenção de calor.

O setor de transportes é responsável por 24% das emissões de CO2, o principal contribuinte para o aquecimento global. Para limitarmos esse aquecimento a 1,5 grau Celsius, é preciso cortar as emissões em 90% até 2050. Essa é uma tarefa de toda a humanidade, e não apenas de um grupo de países, de algumas indústrias ou de alguns cidadãos.

A tendência mundial tem sido promover a substituição dos veículos movidos a combustão interna para a eletricidade. A indústria global tem oferecido, progressivamente, soluções cada vez mais confiáveis e com menor custo de investimentos. Os gastos operacionais dos veículos elétricos já são, significativamente, mais baratos do que aqueles que utilizam combustíveis fósseis.

A maneira mais eficiente de zerar as emissões no transporte é priorizar os deslocamentos a pé e em bicicleta. Para isso, o redesenho urbano, com a criação de múltiplas centralidades econômicas, reduzindo as distâncias entre as zonas residenciais e aquelas em que estão as ofertas de trabalho, é a forma radical de atacar esse problema. Contudo, é preciso também eliminar as emissões do deslocamento motorizado e dar prioridade ao transporte público.

Aqui, na América Latina, dois países são exemplares na liderança continental, no que se refere à transição para uma mobilidade limpa no transporte público. A capital do Chile, a belíssima Santiago, já adquiriu mais de 1.750 ônibus elétricos. Bogotá, a também bela capital da Colômbia, comprou mais de 1.500 unidades elétricas.

Maior engajamento

O Brasil possui, atualmente, menos de 100 ônibus urbanos elétricos, a bateria, em um universo de mais de 100 mil veículos. Vale lembrar que o PIB do Chile representa 19% do brasileiro e o da Colômbia não chega a 24% da nossa riqueza. Está claro que não é o tamanho da economia de um país que determina a sua capacidade de cortar carbono do seu sistema de transporte.

Qual, então, é a diferença entre Chile e Colômbia e Brasil? Penso que é o nível de engajamento do governo nacional de cada um dos países.

Os projetos de eletrificação da frota de ônibus urbanos das duas nações aqui referidas foram liderados pelos governos nacionais. Cada qual a seu modo, mas tendo em comum a liderança, o compromisso, a elaboração de política pública, com começo, meio e fim.

No Brasil, porém, sente-se falta da liderança do governo central na estratégia nacional de eliminação do carbono na mobilidade urbana. Nosso País tem capacidade econômica, tecnológica, industrial, além de mercado, para ser o líder, não continental, mas global, na aquisição e na produção de ônibus elétricos. Poderíamos não apenas já ter cidades mais limpas e sustentáveis mas também gerar emprego e renda com uma indústria capaz de abastecer o mercado interno e, ainda, se consolidar como plataforma exportadora, produzindo divisas e riqueza.

Até recentemente, o BNDES tinha uma linha de crédito para projetos de baixo carbono que era quase nada mais barata do que a existente para projetos convencionais, mas tinha exigências de garantias mais rigorosas e prazos menores de pagamento. Ou seja, uma linha para ‘inglês’ ver.

O regime fiscal dos ônibus e caminhões elétricos é idêntico ao dos veículos poluentes e, para carros leves – acredite se quiser –, paga-se mais imposto no elétrico do que no a combustão.

Aqui, ainda vendemos o obsoleto motor Euro V, abandonado há muito tempo no resto do mundo, especialmente nos países desenvolvidos. Sequer chegamos ao Euro VI, previsto para o ano que vem, mas com várias demandas de adiamento. E o pior, exportamos o Euro VI, mas não o adotamos aqui, no mercado interno.

Enquanto isso, o professor Paulo Saldiva, do Laboratório de Cidades do Insper, constata que São Paulo perde 4 mil pessoas por ano em decorrência de doenças causadas pela poluição atmosférica.

É impossível não se sentir no filme Não Olhe para Cima. O cometa do aquecimento global está vindo em nossa direção, em alta velocidade. Ainda podemos desviá-lo. Mas é preciso liderança nacional para nos livrar de uma ameaça real, comprovada e catastrófica.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão

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