‘Somos responsáveis por todas as crianças e adolescentes’
Sobre a importância do cuidado em rede para mães e filhos
3 minutos, 33 segundos de leitura
26/05/2022
Por: Bianca Pedrina, cofundadora e gestora do veículo de comunicação Nós, mulheres da periferia
Quero tratar de um assunto que me rodeia e provoca desconforto quando olho para as minhas amigas mães. Eu não tenho filhos, mas acompanho a vivência delas para dar conta da maternagem em uma sociedade que imputa apenas a essas mulheres o cuidado com suas crias. Será mesmo que essa responsabilidade é apenas delas?
Nunca fiquei com os filhos das minhas para que elas pudessem sair. Quando penso em estar mais próxima delas, dificilmente lembro de considerar criar ambientes em que suas crianças possam estar também. Poderia tecer uma lista da minha inação para apoiar mães que por vezes se sentem solitárias.
Quando pensamos em mães que criam seus filhos sozinhas, essa culpa vem ainda mais pesada. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil existem pelo menos 11 milhões de mulheres nessa situação.
Estava conversando com uma amiga que é mãe sobre a dificuldade que muitos de nós temos em lidar com pessoas que têm contextos de vida diferentes dos nossos. Vivemos em bolhas e não nos provocamos para sair delas. Não buscamos entender realidades que não são nossas. Aplico isso quando falo também da escolha de não ter sido mãe e não conviver, como antes, com minhas amigas que engravidaram.
Tenho amigas que foram mães e o contato foi ficando mais espaçado até a conexão se perder. Eu sempre pensava que o afastamento era natural, já que a rotina muda depois da maternidade. Essa carapuça serviu por um tempo, mas não me cabe mais. Eu fui negligente e sei que poderia ter estado mais perto. Poderia ter sido mais acolhedora.
Escolhi não ser mãe e fui negligente ao me afastar das amigas que engravidaram
Esse despertar se fortaleceu quando fiz uma matéria sobre redes de apoio a mães, para o Nós, Mulheres da Periferia. A entrevista com a poeta e arteeducadora Priscila Obaci, mãe de Melik e Bakari, transformou meu jeito de enxergar o cuidado com as crianças, mesmo sem ter filhos.
Ao tratar da importância de uma rede de apoio, Priscila usou preceitos africanos para definir que o cuidado com as crianças é tarefa de todos e vai além da figura materna. Ela me fez enxergar que eu também sou responsável por essa tarefa. “Cada pessoa tem uma função e achamos que vamos conseguir em duas pessoas, construir um ser humano, que é a coisa mais complexa do mundo”, diz a arte educadora. “Isso quando falamos de um relacionamento padrão, mas, o que vemos, principalmente nas periferias, é uma mãe e no máximo uma avó carregando todas essas crianças sozinhas.”
As crianças são o futuro e o presente e precisam de cuidado e proteção agora e, todos os dias, eu aprendo que essa responsabilidade é de todos. Sei que tenho falhado e me eximido pelo fato de não ter vivido a maternidade. Eu, mulher sem filhos, não tenho atuado para acolher mães e crianças que estão próximas.
Reconheço que poderia ter sido rede de apoio de muitas delas. É recente minha reflexão e a divido com você, porque trazer à tona coisas que incomodam pode fazer pensar sobre a importância de toda a sociedade cuidar de crianças e, consequentemente, das mães, que estão sobrecarregadas.
O artigo 227 da Constituição Federal estabelece que a responsabilidade de garantir os direitos de crianças e adolescentes é compartilhada entre Estado, famílias e sociedade. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, afirma o texto. Isso significa dizer que todos somos responsáveis por todas as crianças e adolescentes.
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