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Batida com o Porsche em São Paulo: o que mata no trânsito é a impunidade

Por: . 08/04/2024
Mobilidade para quê?

Batida com o Porsche em São Paulo: o que mata no trânsito é a impunidade

Hoje, quem comete crime de trânsito sai impune e as famílias dos que perderam seus entes queridos ficam destroçadas pela perda e pelo sabor amargo da injustiça

3 minutos, 44 segundos de leitura

08/04/2024

pandemia de acidentes e insegurança no trânsito - estilhaços de vidro no chão depois de um acidente de trânsito
Mais de 90% dos sinistros de trânsito são por erro humano, segundo a Abramet. Foto: Getty Images

O que leva um jovem empresário de 24 anos, guiando um Porsche de R$ 1 milhão, em altíssima velocidade, colidir na traseira de um outro veículo, a ponto de arrastá-lo por dezenas de metros e matar um motorista de carro por aplicativo de 52 anos, pai de família, que estava à sua frente?

Leia também: Cresce o número de vítimas de acidentes sem cinto de segurança nas estradas

A certeza da impunidade. Fernando Sastre de Andrade Filho, motorista do Porsche envolvido no episódio acima, ocorrido na madrugada de 31 de março, na Avenida Salim Farah Maluf, Zona Leste da capital paulista, saiu do local com sua mãe, alegando que iria ao hospital, mas não foi. Horas depois, constatou-se que o motorista que havia acabado de causar a morte de Ornaldo da Silva Viana estava foragido.

Sistema é falho

Após 38 horas ele apresentou-se à policia, e o delegado Nelson Vinícius Alves pediu sua prisão preventiva por homicídio com dolo eventual. Mas o pedido foi negado pela Justiça. Essa é a roda viva da impunidade brasileira, já que o código de trânsito não tipifica crimes de trânsito como dolosos, mas sim como “dolo eventual”, quando se assume a possibilidade de matar, mas sem intenção.

Assim, assassinos de trânsito saem impunes e as famílias dos que perderam seus entes queridos ficam destroçadas pela ausência e pelo sabor amargo de injustiça. Recente mudança no código de trânsito prevê cadeia de 2 a 4 anos a quem se envolver num sinistro de trânsito com morte.

Mas os juízes entendem que não é solução colocar um criminoso não recorrente na cadeia, hoje totalmente dominada pelo crime organizado. Temos que concordar, no entanto: essa prática de poupar um criminoso de trânsito só fortalece a impunidade.

Os juízes poderiam ser mais criativos ao definirem punições. Para além de pagamento de cestas básicas, o que não impacta em nada a vida de um proprietário de um veículo de R$ 1 milhão, a condenação poderia ser de dois anos de trabalho em um hospital público, na ala de trauma, por exemplo. E esse é apenas um exemplo de medida que ajudaria esse cidadão, que tirou a vida de outro de forma evitável, a refletir.

O simples fato de classificar como “acidente”, que em definição é um “acontecimento casual, fortuito, inesperado”, reforça o crime ser classificado como “fatalidade”, que não tem como ser evitado. Ou seja,
o criminoso passa a ser vítima de um “acidente” e nunca é responsabilizado pelos seus atos.

Não foi acidente

Em setembro de 2011, Miriam Baltresca, 58 anos, e sua filha Bruna, 28 anos, foram atropeladas e mortas na calçada da Marginal Pinheiros por Marcos Alexandre Martins, em alta velocidade e embriagado. Ele nunca foi preso.

Rafael Baltresca, filho e irmão das vítimas, lançou a campanha “Não Foi Acidente”, e houve progresso desde então. A reclusão mínima de dois anos para quem se envolve em sinistro de trânsito com morte
foi um avanço, mas como nem os juízes acreditam em cadeia para os responsáveis, continuamos na base da cesta básica.

A luz no fim do túnel veio dos órgãos técnicos. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) aboliu, desde 2020, o termo “acidente de trânsito” e adotou “sinistro de trânsito”. Mudança que foi estudada, debatida e referendada também pela Abramet, que dá conta de que mais de 90% dos sinistros de trânsito são por erro humano.

A campanha “Não Foi Acidente” conseguiu ir além. A lei 14.599/23 alterou o Código de Trânsito e substituiu o termo “acidente de trânsito” por “sinistro de trânsito”. A justificativa técnica é óbvia: “acidente” minimiza a responsabilidade dos envolvidos e “sinistro” reconhece que esses eventos podem ser evitados e são frequentemente resultado de negligência, imperícia ou imprudência dos que os cometem.

Agora, é fundamental também a mídia adotar o termo “sinistro de trânsito”. E, com isso, impulsionar uma importante mudança cultural que falta aos brasileiros, incluindo-se aí políticos e gestores de trânsito e a classe jurídica, que é assumir para si a responsabilidade pelos seus atos.

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Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão

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