Cidades em movimento
O que Brasília tem feito para se adequar aos desafios da eletromobilidade
Muitas cidades brasileiras têm procurado se adaptar às transformações necessárias à implantação de infraestrutura para os veículos elétricos. Uma delas é Brasília, que, assim como São Paulo, tem avançado, embora lentamente, na criação de leis que estimulem a utilização de veículos elétricos.
De acordo com Rogério Markiewicz, arquiteto, urbanista, curador do Planeta Elétrico e presidente da Associação Brasileira dos Proprietários de Veículos Elétricos Inovadores (Abravei), a capital federal deu um importante passo à frente rumo à mobilidade sustentável ao aprovar a lei que institui o Código de Obras e Edificações (conhecido como COE). Fácil não foi, pois mudanças que procurem abrir espaço ao novo sempre encontram resistência.
Além disso, Markiewicz afirma que o fato de a cidade ser tombada exigiu muito cuidado ao mexer em políticas públicas e que a revisão do COE, realizada em 2018, contempla, entre outras medidas, a obrigatoriedade de ponto de recarga comum em todas as novas edificações com número superior a 200 vagas. Confira mais detalhes na entrevista a seguir.
As cidades foram preparadas para a mobilidade a combustão. O que precisa mudar para a eletrificação?
Rogério Markiewicz: São necessárias várias adequações urbanas, talvez trabalhosas, mas não impossíveis. A primeira quebra de paradigma é que, nos centros urbanos, não existirá mais aquela paradinha no posto de serviço para recarregar o carro durante o dia. As pessoas o farão em casa e isso vai precisar de muita disciplina. Lógico que poderão recarregar em supermercado, shopping center ou eletropostos com pontos de recarga rápida, mas o proprietário acabará adequando sua vida, assim como aconteceu com o smartphone.
Em Brasília, o que foi feito de mais relevante para incentivar a eletromobilidade?
Markiewicz: Uma das principais iniciativas recentes foi a revisão do Código de Obras e Edificações (COE) do Distrito Federal, em 2018. Ela teve como objetivo simplificar as edificações e modernizar o conceito de moradia. Entre outros marcos relevantes, ele determina a obrigatoriedade de que todas as novas edificações tenham um ponto de recarga disponível a cada 200 vagas de estacionamento.
Foi difícil fazer mudanças nas leis?
Markiewicz: Sim. É curioso como uma cidade tão nova [Brasília foi fundada em 21 abril de 1960] está tendo que se adaptar para uma nova realidade. O fato é que Brasília é tombada e, por isso, é necessário tomar muito cuidado com os novos projetos. Felizmente, a mentalidade dos gestores públicos tem melhorado bastante em relação a perceber as evoluções da sociedade. Aliás, fazendo aqui uma crítica e um alerta para que os gestores públicos, tanto os de Brasília como os de outras cidades, estejam atentos a essa nova realidade, que está tão dinâmica. Qualquer mudança nas leis municipais exige anos de negociação com as Câmaras Municipais e Distrital [no caso do Distrito Federal] e com a rapidez que a gente está vendo; é uma corrida sem fim.
Houve resistência?
Markiewicz: Sim, no início houve resistência, mas alguns empreendedores, que hoje estão superpreocupados com a eficiência energética e a sustentabilidade, acabaram percebendo, rapidamente, que poderiam usar esse fato como ferramenta de marketing para as construtoras. Além disso, enquanto alguns reclamavam, outros já estavam fazendo cálculos e identificando que, em vez de ter uma ou duas vagas exclusivas e, eventualmente, ociosas para veículo elétrico, valia mais a pena vender esses espaços e colocar uma tomada elétrica para uso exclusivo de cada vaga, o que facilitará a vida do usuário. Ou seja, se adequaram à lei e ainda trouxeram benefícios ao cliente.
E, em prédios antigos, como é feita a adequação para recarga de veículos elétricos?
Markiewicz: Entre as várias dores existentes, em relação às vagas de condomínio, agora, ganhamos mais uma. São dois casos em prédios mais antigos. A primeira questão é se a vaga é privativa, isso porque, em algumas cidades, como São Paulo, o condômino tem apenas o direito de uso. Nesse caso, precisa ser negociado com o condomínio, o que costuma ser bastante difícil. Uma vez aprovado em assembleia, a melhor opção é o condomínio colocar uma ou duas vagas compartilhadas com um ponto elétrico ou carregador inteligente com cartão individual, que desbloqueia o aparelho e direciona o consumo direto ao usuário.
Na maior parte do Brasil, inclusive em Brasília, a vaga é privativa, e aí existem dois caminhos. No primeiro, basta puxar energia do condomínio mesmo e colocar um relógio medidor. No segundo, essencial para instalação de carregador, a solução é pegar a energia diretamente do quadro elétrico do próprio apartamento. É uma obra mais trabalhosa, mas viável.
Quais costumam ser as obras necessárias para a adequação?
Markiewicz: O ideal, como já acontece em Brasília e em outras cidades do País, é que prédios normatizem esse processo. Para viabilizar a tomada, pode-se puxar a energia diretamente do prédio e colocar um medidor para identificar o usuário. Para isso, basta chamar uma pessoa competente que tenha anotação técnica no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) ou no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU). Para a instalação de carregador, é um pouco mais trabalhoso, porque não é possível onerar o condomínio, financeiramente ou com carga. Essa área comum do condomínio não foi feita para ter vários carregadores. Nesse caso, a energia deve ser puxada do quadro elétrico do próprio apartamento.
Qual o valor do investimento?
Markiewicz: Para colocar apenas a tomada, o valor deve variar em torno de R$ 400 ou R$ 500. A instalação do carregador fica por volta de R$ 4 mil e R$ 5 mil. Além disso, é preciso comprar o carregador, cujo valor varia bastante.
Você acredita em terceirização da eletrificação de vagas em condomínios?
Markiewicz: Isso vai ser muito comum. Em condomínios com mil apartamentos, por exemplo, é bem possível que seja terceirizado, mas acredito que a monetização virá de edifícios comerciais. Provavelmente, será um modelo de negócio em que a empresa instala o carregador e cobra pela vaga ou pelo tempo de uso, porque apenas a distribuidora pode cobrar pela energia.
Na Europa, é muito comum carros elétricos recarregando na rua. O Brasil deve seguir esse modelo?
Markiewicz: Na Europa, as residências, raramente, têm vagas de garagem. É muito comum ver esses totens nas ruas e são cobrados por meio de cartão ou aplicativo. A empresa tem concessão para comercializar a vaga e o ponto de recarga. No Brasil, acredito que teremos concessões, como é feito em São Paulo, com o Zona Azul. Será um processo natural para exploração de área pública. Aqui, no Distrito Federal, por exemplo, por meio de um projeto piloto da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), todas as cidades têm pelo menos um totem para carregamento de dois veículos, simultaneamente. Ficam em área pública e são gratuitos. O projeto começou, em 2019, para servir à frota de elétricos de compartilhamento dos funcionários públicos, que utilizam os veículos para se locomover entre as repartições. Para beneficiar a população e incrementar os testes, os carregadores também foram instalados nas cidades.
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