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Andando na linha

Por: Reportagem: Gilberto Amendola, do Estado. Fotos: Tiago Queiróz . 05/02/2020
Meios de Transporte

Andando na linha

A reportagem do Estado decidiu realizar três viagens de ônibus em linhas pouco convencionais

7 minutos, 3 segundos de leitura

05/02/2020

Por: Reportagem: Gilberto Amendola, do Estado. Fotos: Tiago Queiróz

Passageiros e turistas aproveitam para tirar fotografias durante a travessia do ônibus em cima da balsa
CURTINDO A PAISAGEM: Turistas e passageiros aproveitam para tirar fotografias e fazer selfies durante a travessia. Algumas pessoas vão e voltam de ônibus ou carro apenas para curtir o passeio

A vida é aquilo que acontece enquanto estamos andando de ônibus. Essa não é uma das frases famosas do John Lennon (a frase do John Lennon é: “A vida é o que acontece enquanto estamos fazendo planos), mas o sentido não é lá muito diferente. Pegar o ‘busão’ é algo tão inserido no nosso cotidiano que prestamos pouca atenção no que acontece dentro dele.

Na maioria das vezes, estamos aborrecidos com o aperto da hora do rush ou com o tempo que ele demorou para passar. Ou ainda, com sorte, apenas distraídos com um livro, hipnotizados com uma música no fone de ouvido ou tirando um belo de um cochilo. Confira três trajetos acompanhados pelo Estadão. Para ler a matéria na íntegra e ver outras fotos, acesse a página de Infográficos do Estadão.

O ônibus que liga a ‘ilha’ a São Paulo

A linha 6L11-10/Ilha do Bororé-Terminal Grajaú leva à Ilha do Bororé, que está localizada no extremo sul de São Paulo. Ela é cercada pela Represa Billings e pela Mata Atlântica. Apesar de ser chamado de ‘ilha’, trata-se de um bairro – que fica numa península da represa e pode ser acessado a partir do Grajaú por uma balsa.

A imagem de um ônibus em cima de uma balsa e a própria travessia pela represa já se tornaram uma espécie de passeio turístico na região. Não é raro acompanhar usuários tirando fotos e fazendo selfies durante o rápido trajeto da balsa (5 minutos). As crianças também parecem gostar da experiência. “Mó legal esse ônibus que anda na água”, comentou Antônio, de 4 anos.

40 veículos

O sistema de balsas é gratuito e funciona 24 horas por dia. A região também é um ponto de ecoturismo. Áreas de Proteção Ambiental (APAs) de Bororé-Colônia e Capivari-Monos podem ser acessadas com facilidade.

Nos últimos meses, a travessia ficou ainda mais rápida – já que as balsas estão comportando 40 veículos (o dobro do que comportavam antigamente). A rapidez só não é totalmente comemorada pela comerciante América dos Anjos Martins, de 67 anos, que tinha mais tempo para vender seus quitutes quando uma fila de carros se formava no local. “Assim não consigo dinheiro para voltar para Portugal”, disse.

DO OUTRO LADO: A travessia do ônibus na balsa não dura mais de 5 minutos. Ela liga o Grajaú e região à “Ilha” do Bororé. É gratuita e funciona 24 horas todos os dias

Travessia com a balsa já virou até ‘passeio turístico’ na região

Além de funcionar como atração turística, o ônibus tem a importante função de servir como meio de ligação da população de Bororé com unidades de saúde e escolas do Grajaú. Para o aposentado Antônio Dorneles, o único problema é que “às vezes demora mais de uma hora para passar”. Segundo ele, o vai e vem de coletivos na balsa não tirou o sossego dos moradores da Ilha do Bororé. “Antigamente, aqui, era tudo estrada de terra. Agora, mudou muito. Recebemos muitas visitas, tem turista e quem trabalha com comércio ganha um dinheirinho a mais”, completou.

A linha mais longa de São Paulo

A linha 477P-10/Ipiranga-Rio Pequeno tem o trajeto mais longo da cidade de São Paulo, com 78 km e 304 metros de extensão, ida e volta. Ela passa por 18 bairros (como Butantã, Pinheiros, Itaim Bibi, Moema, Saúde e Ipiranga, além de atender as estações São Judas, Saúde e Praça da Árvore do metrô) e 215 pontos ao longo do caminho. Em um dia normal, fora do chamado horário do rush, gasta-se aproximadamente 3 horas em apenas um sentido.

Diferença econômica

A viagem no 477P-10 tem um quê educacional. Pela janela, é possível perceber a diferença econômica refletida nos bairros por onde passa – inclusive por um trecho da Rodovia Raposo Tavares.

De manhã, é comum encontrar quem tome o café da manhã em um dos bancos, retoque a maquiagem ou aproveite para estudar. “Saio correndo de casa, sem comer nada. Quando eu sento no ônibus, aproveito para comer um bolinho”, avisou a atendente de loja de sapatos Loredana Martins, de 30 anos, antes de dar uma mordida no tal bolinho.

Na mesma hora, Maria Teresinha Hernandes, 66 anos, contou que aproveita a parte do trajeto que lhe cabe para ler. “Não tenho celular. Só leio. Ônibus é bom pra isso”, contou. “Melhor coisa é aproveitar o tempo para ouvir podcasts em inglês. Aproveito para estudar”, disse o arquiteto Glauquer Gomes, de 29 anos.

DOTÔZINHO: O casal, Carlos Roberto Oliveira, 70 anos, e Roseli Aparecida Alves do Carmo, 65 anos, já discutiu no ônibus por causa de política. Ocasionalmente, eles vendem uma pomada quase milagrosa, capaz de curar qualquer doença dos passageiros. Trata-se da Dotôzinho (canela de velho). Recomendada, por eles, para qualquer mal, de sinusite a dor no coração

Na linha, encontramos o casal Carlos Roberto Oliveira, de 70 anos, e Roseli Aparecida Alves do Carmo, de 65 anos. Os dois pegaram o ônibus para ir ao velório de Alberto Goldman, ex-governador de São Paulo – político admirado pelo casal. Nas horas vagas, Oliveira vende “dotôzinho (canela de velho)” nos coletivos da cidade (pomada que, segundo ele, cura qualquer dor ou problema de saúde); já Roseli, ex-mulata do Sargentelli e ex-candidata a vereadora e deputada, faz trabalhos sociais.

Os dois interpretam Papai Noel e Mamãe Noel sambistas em eventos de fim de ano. “Gosto de ônibus, mas uma vez um cobrador e um motorista me arrancaram porque estava panfletando com o santinho dela (da Roseli)”, falou Oliveira.

AMIZADES: Na linha mais longa da cidade, a 477P-10/Ipiranga–Rio Pequeno, passageiros, motoristas e cobradores têm tempo para criar laços de amizade. Como a maioria não paga com dinheiro, o cobrador atua mais como ajudante ou “copiloto” do motorista da linha

No final do trajeto, o mais comum é assistir motorista e cobrador alongando as pernas depois de mais de três horas de viagem (ou correndo para o banheiro do ponto final).

Parece a Amazônia, mas é São Paulo

A linha 6l05-10/Barragem-Terminal Parelheiros passa pelas aldeias Tenondé Porã e Krukutu, localizada às margens da represa Billings. São comunidades indígenas que tiveram suas terras regularizadas em meados de 1987. Tenondé Porã conta com uma população de aproximadamente 2.000 pessoas; já a Krukutu não tem mais que 500 habitantes.

De fato, no trecho mais rural do percurso, a paisagem não lembra em nada a São Paulo dos prédios, trânsito e poluição. A linha também atende aos interessados em Ecoturismo. Na tribo Tenondé Porã, por exemplo, está localizada a Cachoeira de Marsilac.

Os índios utilizam a linha como principal (às vezes única) forma de acesso ao centro de Parelheiros e, consequentemente, ao restante da cidade.

No período da manhã, é comum encontrá-los levando objetos de artesanato para vender nos arredores do Terminal Parelheiros ou mesmo no centro da Cidade. Também não é raro flagrar pedidos dos indígenas aos motoristas para que eles possam ‘descer pela frente’.

VIAGEM LONGA: Indígenas usam a linha para ir aos bairros de São Paulo

Encontramos a moradora da tribo Tenondé, que se identificou como Fernanda de Abreu, de 17 anos, com o pequeno Micael, de 3 anos. “O ônibus é muito importante para nós. Quando precisamos de algo na cidade é com ele que a gente consegue se locomover”, conta. “O ônibus não precisa passar no meio da aldeia. Passando perto, já está muito bom”, completou.

O clima rural da área da barragem também está presente na linha. Zeferino Rocha dos Santos, de 88 anos, é um homem do campo, sempre trabalhou com a terra e vive em São Paulo como se vivesse no interior.

De pouca conversa, ele diz que quase não vai ao centro – apenas quando precisa ir ao médico. E que não troca a região da Barragem por nenhum “centro lotado de carro e de gente”.

SERTANEJO: O que se ouve na linha é a frase: “Isso nem parece São Paulo. Zeferino Rocha dos Santos, 88 anos, faz questão de viver como um sertanejo. Home criado na lida com a terra, só pega o ônibus para o centro quando é estritamente necessário

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