Talvez o termo “mobilidade ativa” não seja conhecido por todas as pessoas, mas a ação que ele representa é, como diz o ditado, mais velha que andar para a frente. E é de andar mesmo que estamos falando, além de outros modais também, como da bicicleta. “Mobilidade ativa é aquela em que o indivíduo é o responsável pelo seu deslocamento. Ou seja, ele depende da sua energia – com a ajuda de equipamento ou não. Alguns exemplos são caminhar, andar de bicicleta, de patinete, entre outros”, diz Carlos Hardt, arquiteto e urbanista, professor e pesquisador de mestrado e doutorado em gestão urbana na PUC-PR.
A modalidade tem sido cada vez mais discutida e incentivada, pois impacta positivamente em indicadores urbanos, como trânsito, poluição do ar e na qualidade de vida da população. “Ela já é muito utilizada para o lazer, mas o mais relevante é inseri-la como meio de locomoção no dia a dia das pessoas, em atividades rotineiras como trabalho e escola”, diz Estela Alves, arquiteta e urbanista, pesquisadora do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP).
Para que isso ocorra, ainda existem diversas barreiras que impactam tanto para que a mobilidade ativa tenha mais adeptos quanto para garantir a segurança daqueles que já a praticam.
Atualmente, um terço das viagens com mais de 500 metros na cidade de São Paulo é feito exclusivamente a pé, de acordo com a pesquisa “Viver em São Paulo”, feita pela rede Nossa São Paulo, em parceria com o Ibope Inteligência, em 2019. Não importa se a pessoa caminha na periferia, nos bairros nobres ou mesmo em áreas centrais da cidade, a reclamação é a mesma: condições ruins do calçamento. Os buracos, segundo o estudo, são os recordistas em queixas da população, respondendo por 68% do total, enquanto as irregularidades como rampas, degraus ou mesmo falta de continuidade são responsáveis por 53% das reclamações. E não para por aí: as pessoas também deparam com obstáculos como calçadas estreitas, falta de segurança para atravessar, iluminação insuficiente ou inexistente e sacos de lixo nas calçadas.
Quem elegeu a bicicleta como meio de transporte também tem desafios em relação à infraestrutura da cidade, como distribuição desigual de ciclofaixas e ciclovias entre as regiões, o que também acontece com bicicletários para quem utiliza o modal com outra opção de transporte. “A falta de uma cultura de convivência entre os motoristas de carros, ônibus e outros e os ciclistas também preocupa. A lógica do trânsito deveria ser o maior sempre cuidando do menor, mas ainda não é o que vemos no País como um todo”, diz Carlos Hardt. Na outra ponta, de acordo com ele, também é importante que todos os agentes da mobilidade, incluindo os ciclistas, entendam que também precisam respeitar as normas de trânsito.
A pesquisa, feita em 93 pontos das 50 principais vias da cidade, contabilizou 5,3 milhões de deslocamentos de veículos de todos os tipos e, destes, apenas 39.400 envolviam bikes.
No dia 8 de agosto, um decreto do prefeito Bruno Covas publicado no Diário Oficial do Município (DOM) regulamentando a Lei nº 16.673, de 13 de junho de 2017, instituiu o Estatuto do Pedestre no Município de São Paulo. Sancionado por João Doria ainda enquanto prefeito, o estatuto é visto com um misto de otimismo e ressalva pelos especialistas em mobilidade. “Esses documentos são muito bem-vindos, mas não podem ser apenas listas de direitos e deveres. As ações e os prazos são fundamentais para mudarmos a realidade da nossa mobilidade”, afirma Carlos Hardt, arquiteto e urbanista, professor e pesquisador do mestrado e doutorado em gestão urbana na PUC-PR.
Criado para proteger o elo mais frágil na cadeia da mobilidade urbana, o Estatuto do Pedestre traz diversas regras e determinações, como necessidade de qualificação das calçadas e pontos de ônibus, destinação de recursos do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), entre outras, para o incentivo da mobilidade a pé.
Para Estela Alves, arquiteta e urbanista, pesquisadora do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), o documento apenas reafirma o que já se sabe ser direito de todos: segurança para circular nas calçadas, acessibilidade, iluminação pública, entre outros aspectos. “Fico pensando quantas leis e normas ainda teremos que editar para reafirmar o óbvio: a população precisa de luz para circular à noite, de sinalização para enxergar obstáculos e equipamentos, pessoas com necessidades especiais necessitam ser tratadas como todos os demais e têm o direito de circular adequadamente e com segurança”, afirma.
A revisão do tempo dos semáforos é um dos pontos altos do estatuto, a partir de um novo cálculo que leva em conta as limitações de idosos, crianças e pessoas com dificuldade de locomoção.
Antes, o deslocamento era calculado tendo como base a média de 1 metro por segundo e, agora, leva-se em conta uma média do tempo de travessia necessário para todos esses públicos.
Trata-se de uma alteração importante para aumentar a segurança dos pedestres, grandes vítimas do trânsito do nosso País. No ano passado, 791 pedestres perderam a vida em acidentes na cidade de São Paulo.
Outro ponto previsto pelo estatuto é a ampliação da sinalização voltada exclusivamente aos pedestres, como a instalação de placas integradas às obras do Plano Emergencial de Calçadas (PEC), que tem como meta analisar as condições dos 68 milhões de metros quadrados do calçamento de São Paulo.
Também estão previstas campanhas educativas e vistorias para fiscalizar o atendimento às normas, o estímulo à mobilidade ativa, especialmente a feita a pé, para os deslocamentos diários e em distâncias de extensão curta, de até 2 quilômetros, qualificando a rede e conscientizando a população sobre seus benefícios.
Sete organizações da sociedade civil lançaram, em 10 de agosto, a Agenda Propositiva para a Cidade de São Paulo: Mobilidade e Clima. Disponível no formato online, a publicação é dirigida aos candidatos e candidatas à prefeitura e ao legislativo municipal e tem como objetivo servir de base para as propostas do debate eleitoral, previsto para começar ainda neste mês de setembro.
Resultado do trabalho de organizações como Ciclocidade, Cidadeapé, Greenpeace, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Instituto Saúde e Sustentabilidade, Rede Nossa São Paulo e SampaPé!, o documento lista propostas como a criação de um setor dedicado à mobilidade a pé na cidade, que seria responsável pelas calçadas e pelas travessias dos pedestres, fazendo avançar ações e políticas que incentivem o uso da bicicleta como modal, como ciclovias, programas de estímulo e financiamento na compra da bike, com foco nas periferias, entre outras.
Em relação à mobilidade por bike, a agenda sugere a criação de um programa consistente de manutenção das vias que contemple, também, todas as transposições da cidade, como pontes, viadutos, cruzamentos de linhas férreas e pontes – pontos considerados mais perigosos que os demais.
O documento sugere que seja estabelecida como meta a triplicação tanto da extensão de ciclovias e ciclofaixas – hoje, são 504 quilômetros de vias para trânsito de bicicletas – quanto da proporção de deslocamentos feitos com esse modal, até a conclusão da próxima gestão municipal, em 2024.
Para Estela Alves, é fundamental que os projetos contemplem toda a cidade. “O que se vê são melhorias constantes no centro expandido e nos bairros de alto valor imobiliário. Mas o que precisamos é de investimentos idênticos nas periferias. Por exemplo, ciclovias e estacionamentos públicos de bicicletas em todas as estações de trem e de metrô, educação nas escolas e nos centros de formação de condutores de automóveis para o dever de respeitar pedestres e bicicletas acima de qualquer veículo motorizado”, explica.
Para a especialista, é muito importante que a sociedade entenda a mobilidade ativa como um modo de transporte que traz economia, saúde e segurança, e que, por isso, deve ser difundido em todas as classes sociais. “Essa modalidade não pode continuar sendo glamourizada apenas por quem mora na Avenida Paulista e entorno. É preciso difundir e apoiar com medidas de divulgação, incentivo, segurança e defender investimentos maiores nas periferias, em que há concentração maior de pessoas”, finaliza.