Sono e direção: essa parada é fundamental
Resultado de estresse e cansaço, dormir ao volante é a terceira maior causa de acidentes nas estradas brasileiras
Cerca de 250 mil acidentes de trânsito registrados nas rodovias brasileiras tiveram como causa principal ou secundária questões relacionadas à condição de saúde dos motoristas, incluindo estresse e cansaço, de acordo com a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), que analisou dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), entre janeiro de 2014 e junho de 2019. Dos 190.375 acidentes catalogados, 153.517 foram de feridos e 7.749 de mortes relacionadas, ou seja, 76% do total.
Em parceria com a Academia Brasileira de Neurologia e o Conselho Regional de Medicina, a entidade também avaliou que, aproximadamente, 42% desses sinistros no País estão relacionados ao sono. “Não podemos falar em acidentes, pois, na ampla maioria dos casos, são evitáveis”, revela o médico Ricardo Hegele, vice-presidente da Abramet.
Assim como o uso do celular, há um aumento de pessoas se expondo a esse risco – por não estarem suficientemente descansadas, por não terem uma noite de sono ou um sono reparador na noite anterior (média de 7 horas por dia a cada 24 horas). “No caso de condutores profissionais, muitos, por questões financeiras, fazem jornadas que podem chegar a 14 horas ou mais, extrapolando o limite de 8 a 10 horas de direção, por dia”, acrescenta Hegele. A esse cenário somam-se doenças, uso de medicamentos e de substâncias que também contribuem para o agravamento dessa situação de risco.
Estudo conduzido pela AAA Foundation for Traffic Safety, dos Estados Unidos, mostra que o risco de colisões aumenta de maneira inversamente proporcional à quantidade de horas de sono entre os motoristas. Períodos de sono entre 6 e 7 horas levaram a uma taxa de risco de acidentes de 0,3 vez maior, em relação a indivíduos que dormiram ao menos 7 horas, nas 24 horas anteriores, podendo chegar a 10,5 vezes mais em períodos de sono inferiores a 4 horas.
Manobras não funcionam
Abrir o vidro, diminuir a temperatura do ar-condicionado, aumentar o volume da música, tomar café, chá, chocolate ou energético não possuem nenhuma eficácia comprovada para manter os olhos abertos e melhorar a atenção. “Além de um efeito rebote, quando a pressão do sono chega, a pessoa não tem condições de mensurar suas condições físicas, como piscadas, lapsos e dificuldade de se manter em linha reta”, explica o médico da Abramet. “A única medida a fazer é parar o veículo em lugar seguro e dormir, ao menos, duas horas para diminuir a pressão da sonolência, que aumenta em alguns períodos da madrugada (entre 1h e 2h) ou de acordo com o ciclo circadiano de cada um.”
Conscientização e infraestrutura adequada
Para o especialista, não dirigir sonolento passa pela conscientização por meio de campanhas constantes e pelo “filtro pessoal” do motorista, além de cada um orientar quem está ao redor, familiares e amigos, dos riscos dessa prática ao volante. Mas não só. “Entre os agravantes estão questões financeiras e precarização dos trabalhos que empurram as pessoas para a privação intencional do sono, como estender as jornadas, ter dois ou mais empregos ou seguidos plantões em várias profissões, além da falta de infraestrutura rodoviária para que os condutores profissionais façam suas paradas para higiene e repouso. O Brasil tem estradas extensas, sem qualquer ponto de apoio.”
Não só em maio
Levantamento do Grupo CCR, realizado entre janeiro e maio deste ano com 797 caminhoneiros que utilizaram o Programa Caminhos para a Saúde na Rodovia Castello Branco, aponta que 74% dos motoristas de caminhão ficam até 12 horas no volante, 42% deles conseguem dormir até 6 horas por noite e 93% dormem no caminhão.
Nas rodovias paulistas administradas pela CCR, de janeiro a abril, apenas 5% dos veículos leves e comerciais circulam pelas rodovias no intervalo entre meia-noite e 5 horas da manhã. No entanto, neste intervalo são registrados 10,3% dos acidentes e 25,8% das vítimas fatais são de sinistros que aconteceram na madrugada.
Com campanhas durante o ano, a concessionária ainda investe em ações como o “Acorda Motorista”, sobre a importância das pausas para descanso e não dirigir com sono. Em maio, na CCR RodoAnel foram mais de 170 caminhoneiros orientados e, no trecho administrado pela CCR SPVias, mais de 70. Neste ano, nas bases fixas dos trechos administrados pela CCR ViaOeste e pela CCR AutoBAn também foram atendidos mais de 3.215 caminhoneiros para exames gratuitos, como teste de glicemia e acuidade visual, aferição de pressão arterial, atendimento odontológico e corte de cabelo.
A Arteris, que administra 3.200 quilômetros de vias nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Paraná, mesmo com as campanhas “Não dê carona para o sono” e “Acorda Motorista”, apenas no último ano, atendeu a 939 ocorrências devido à sonolência, com 13 fatalidades. A empresa já atingiu a meta de reduzir em 51% as fatalidades em suas rodovias, no período de 2010 a 2020, e renovou esse objetivo para a Segunda Década de Ações para a Segurança, de 2020 a 2030.
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