Mobilidade feminina e seus (muitos) desafios
Medo de sofrer violência física é maior do que ser assaltada
Homens e mulheres possuem suas semelhanças, mas as desigualdades continuam existindo – e resistindo. Em números, somos quase iguais, mas, quando se amplia para outros setores, o acesso desigual impera. Para citar algumas delas: só 12% das cidades brasileiras são administradas por mulheres; no Congresso Nacional, apenas 15%; e só 13% das empresas no País são chefiadas por elas (enquanto 87% são homens). Aqui, são apenas alguns números para ilustrar a falta da voz feminina em altos cargos. Mas, e quando se trata da mobilidade delas em grandes cidades, existem diferenças? Definitivamente, sim. E você, provavelmente, nunca parou para pensar nisso.
Recentemente, um vídeo circulou nas redes sociais de um homem que passou a mão em uma ciclista, a derrubou e quase a atropelou (se você não assistiu, clique aqui). Fatos como esse são frequentes na vida das mulheres. Pasmem! Quantas de nós já se sentiram intimidadas por entrar em um vagão vazio? Ou quantas sofreram algum tipo de abuso em um ônibus lotado? Ou, ainda, quantas não passaram por situações angustiantes dentro de veículos como táxi ou transporte por aplicativo? A resposta é: 97%. Sim, quase todas nós, brasileiras, com mais de 18 anos, já vivenciamos situações de assédio em transporte público ou serviços oferecidos por apps, de acordo com o levantamento do Instituto Locomotiva e Instituto Patrícia Galvão.
“Os ônibus que vão de São Paulo ao interior são mais seguros para as mulheres, geralmente, porque os assentos são marcados e não têm possibilidade de ficar lotado. Mas, quando pego esses ônibus à noite, vazios, tenho medo até do próprio motorista”, revela Maria Antônia da Silva, 39 anos, babá, que trabalha na zona sul de São Paulo, mas mora em Pirassununga, no interior do Estado. “Já vivi inúmeras situações constrangedoras e de pavor dentro do transporte público, de homens com suas partes íntimas para fora a tentativas de passar a mão em mim. Para muitas, isso ficou normal, mas estou cansada de passar por essas coisas”, diz ela.
Risco no transporte público
Por isso, o número cada vez mais crescente de mulheres tirando CNH ou comprando veículo próprio. No transporte público, há inúmeras situações de falta de respeito. Historicamente, mulheres utilizam mais o ônibus do que os homens e, no metrô, elas passaram a ser maioria, a partir de 1997. O transporte público segue sendo apontado como o local no qual as paulistanas acreditam correr mais risco de assédio (52%). Seguido de rua, com 20% das menções. Analisando a mobilidade pelo olhar feminino, fica fácil identificar diversas falhas na estrutura das cidades – ela não foi pensada para todos que a habitam. Ao abrir a porta de suas casas, mulheres de todo o Brasil começam a enfrentar os obstáculos: ruas esburacadas e sem iluminação, transportes públicos lotados, machismo normalizado, assédio verbal e, muitas das vezes, assédio físico, dentre outros milhares de aspectos que estão sendo banalizados pela sociedade de tão comuns que se tornaram, quando o certo deveria ser o inverso.
Nina Pereira, 35 anos, empregada doméstica, faz, diariamente, pela manhã e à noite, caminhadas de dez minutos para chegar ao ponto de ônibus próximo a seu trabalho. Ela diz que o que mais a preocupa, nesses momentos, não é ser assaltada, mas sofrer abuso físico. “Sempre espero minha amiga, que trabalha perto, para irmos juntas, porque tenho medo de sofrer alguma violência física, ainda mais nessa rua escura e vazia. Se tem alguém comigo, pelo menos, acho que em duas conseguimos conter o agressor”, diz Nina. “Tiraram os cobradores de ônibus de algumas linhas, o que piorou muito nossa segurança. Antes, pelo menos, tinha alguém olhando o que acontecia no ônibus. Não que todos tomassem atitudes, mas, ao menos, intimidava. Agora, não tem ninguém. Nos tornamos invisíveis”, completa, indignada.
Poucas mulheres nos governos
Maria Antônia e Nina representam a realidade das mulheres, no nosso País, que têm de se deslocar por mais de uma hora no transporte público para chegar ao trabalho ou voltar para casa. Ambas concordam que faltam mulheres no governo para que possamos ser mais ouvidas e, definitivamente, chegar a soluções eficazes.
A Pesquisa de Mobilidade da Região Metropolitana de São Paulo, feita pelo Metrô, concluiu que 34% das mulheres se deslocam a pé pela cidade para realizar tarefas da família ou para elas próprias, como ir ao supermercado, levar os filhos à escola e ir para o trabalho, por exemplo. E cerca de 70% dos deslocamentos delas são feitos por transporte público (que, claro, sempre demandam uma caminhada). Enquanto, em 55% das oportunidades, os homens ficam com o carro da família durante o dia a dia e ainda somam a grande maioria dos motoristas no País, seja de carro ou moto próprios, seja nos transportes públicos.
A mobilidade urbana, no Brasil, privilegia os carros, usados, em sua maioria, por homens, em detrimento das vias para pedestre, mais utilizadas por mulheres. Elas ainda faltam no alto escalão das empresas que controlam o transporte e o trânsito das cidades, além, claro, de mais presença nas prefeituras para que possam levar essas discussões e dar voz a todas as nossas dificuldades de mobilidade.
Ações pequenas estão sendo projetadas e estudadas, como o tão falado vagão rosa, no metrô de São Paulo, e a permissão para que passageiras mulheres possam descer dos ônibus fora do ponto após as 22h, em várias cidades do País, como Curitiba, São Paulo, entre outras cidades da região metropolitana.
Mas ainda há um caminho longo a percorrer. As mulheres precisam de ações pensadas e criadas por elas para garantir mais conforto e segurança na mobilidade diária. E, acima de tudo, levar nossa voz para que possamos ser ouvidas.
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