Aposentados sofrem assédio por causa do consignado; como se proteger?
Aposentados chegam a receber mais de 30 telefonemas e mensagens por dia de instituições e golpistas oferecendo empréstimo; acesso a dados é ‘caso de polícia’, diz INSS
8 minutos, 14 segundos de leitura
11/10/2022
Por: Estadão Expresso
O assédio a aposentados por parte de instituições financeiras oferecendo crédito consignado “já aprovado” continua incomodando muita gente. Apesar de medidas adotadas pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) para coibir os contatos, muitas vezes feitos por golpistas, há casos de pessoas que recebem diariamente mais de 30 ligações e mensagens.
Nesta reportagem, você vai ler:
→ dicas para se proteger dos golpes
→ relatos de pessoas assediadas
→ o que dizem os bancos, a Febraban e os órgãos de defesa do consumidor
Com reportagem de Cleide Silva, O Estado de S. Paulo
COMO SE PROTEGER DOS GOLPES
- Não clique em links enviados por e-mails ou WhatsApp de remetentes que você não reconhece Nunca informe seus dados pessoais e bancários quando solicitados em ligações ou mensagens de remetentes desconhecidos
- Se for contratar algum crédito, procure sempre os canais oficiais das instituições com as quais você se relaciona
- Denuncie o assédio nos canais internos dos bancos citados pelas pessoas que fazem as ofertas, nos Procons ou no site consumidor.gov.br
- Também é possível fazer denúncias diretamente no Banco Central, nos canais do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) e na Ouvidoria da instituição
- É possível, ainda, registrar reclamações contra uma instituição financeira no BC Reclamação pelo site bcb.gov.br
‘ELES SABEM TUDO SOBRE A GENTE’
A grande incógnita do problema, que virou caso de polícia, é como as instituições e os criminosos conseguem os dados dos aposentados e pensionistas, incluindo o valor do benefício e o porcentual que pode ser comprometido com o empréstimo. “Eles sabem tudo sobre a gente”, diz Adão Alves de Souza, de 71 anos.
Souza está aposentado há vários anos e passou a receber chamadas após realizar seu empréstimo consignado. “Tem pelo menos 50 números bloqueados no meu celular, mas não adianta, pois mudam de telefone o tempo todo.” Ele diz que recebe seis ou sete ligações diariamente.
O aposentado conta que já escapou de dois golpes. “Em um deles, a pessoa disse que eu tinha um crédito de R$ 47 mil aprovado. Eu respondi que não era meu e ele pediu vários dados para cancelar. Então eu disse que retornaria depois, liguei para o gerente do banco e ele confirmou que era golpe.”
BLOQUEIOS SEM EFEITO
Wilson Vidal de Melo, de 70 anos, conta que recebe cerca de 15 ligações por dia, que também começaram depois de contratar um empréstimo consignado. Ele diz que tenta não atender as chamadas mas muitas vezes é obrigado.
“Minha mãe tem 99 anos e, quando não estou com ela, preciso estar atento a qualquer possível chamada”, afirma Melo. Ele já inscreveu seu número no serviço da Anatel “Não perturbe”, que bloqueia chamadas de telemarketing, mas pouco adiantou.
Melo está aposentado há vários anos e diz que, como no caso de Souza, o assédio começou depois que ele fez um empréstimo consignado, há mais de um ano. A maioria dos telefonemas e mensagens, porém, começa poucos dias após a liberação da aposentadoria pelo INSS e muitos beneficiários são informados sobre o benefício pelo próprio agente financeiro
Um recém-aposentado diz que o assédio começou três semanas após ter o benefício aprovado. “Chego a receber de 30 a 40 ligações e mensagens por dia e algumas já sei que são golpes”, diz ele, que pede para não ter o nome divulgado. Uma das mensagens diz que ele tem R$ 59 mil na conta e, para liberar, “basta clicar aqui”.
A Febraban informa que desde janeiro de 2020 está em vigor a Autorregulação do Consignado, iniciativa criada em parceria com a Associação Brasileira de Bancos (ABBC) voltada à transparência ao combate ao assédio comercial e à qualificação de correspondentes bancários (empresas autorizadas pelo Banco Central a prestarem serviços para instituições financeiras).
As 32 instituições financeiras que participam da autorregulação assumem o compromisso de adotar as melhores práticas de proteção de dados pessoais dos clientes e do combate a fraudes. Segundo a Febraban, elas representam quase a totalidade do volume da carteira de crédito consignado no País.
Desde o início da adoção dessas regras até julho deste ano, 977 empresas receberam punições por irregularidades na oferta do consignado, 440 correspondentes bancários foram advertidos, 497 tiveram suas atividades suspensas temporariamente e outras 40 em definitivo.
Segundo a entidade, as multas por conduta omissiva variam de R$ 45 mil a R$ 1 milhão, e os valores são destinados a projetos de educação financeira. “Nós condenamos qualquer tentativa de fraude ou irregularidade na oferta e contratação do consignado”, diz Isaac Sidney, presidente da Febraban.
Em nota, o INSS informa que, desde a publicação de uma instrução normativa em 2019, o benefício da aposentadoria é bloqueado para realização de operações de crédito consignado até que haja autorização do titular ou representante legal. A norma, contudo, tem sido burlada.
Caso de polícia — Denúncias sobre a existência de listas com nome, CPF, endereço, telefone, número e valor do benefício são enviadas à Coordenação de Combate a Fraudes do INSS e à Polícia Federal. “Por se tratar de suposto vazamento de dados, deve ser realizada uma investigação policial”, diz o Instituto.
Questionado sobre eventuais avanços nessas investigações, ó órgão afirma que “as ações da Força-Tarefa Previdenciária e Trabalhista são sigilosas, justamente para garantir que obtenham sucesso”. Ressalta também que o INSS não compartilha nem autoriza o compartilhamento de informações de segurados e beneficiários para fins ilícitos.
Na semana passada, o INSS publicou portaria instituindo o Conselho de Avaliação do Atendimento Bancário, como mais uma ação e instrumento para aprimorar e garantir a qualidade do serviço prestado tanto pelo INSS como pelos bancos às pessoas que usam os serviços ou recebem benefícios do instituto.
Em outubro de 2021, o INSS também fez um termo com os bancos para que passassem a realizar controle mais rigoroso em relação à oferta de empréstimos consignados. Um exemplo é não permitir a oferta de créditos por telefone para quem está cadastrado no “Não perturbe”, sob risco de punições por infração às regras de conduta do setor financeiro. Os empréstimos agora precisam ser feitos com validação biométrica.
A Febraban orienta os consumidores a fazerem denúncias nos canais internos dos bancos citados pelas pessoas que fazem as ofertas, nos Procons ou no site consumidor.gov.br. O BC cita os canais do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) e sua Ouvidoria. É possível, ainda, registrar reclamações contra uma instituição financeira no BC Reclamação pelo site bcb.gov.br.
O Procon-SP informa que, neste ano, até setembro, recebeu 4.602 reclamações envolvendo empréstimos consignados, muitas delas por cobrança de serviços não contratados. O órgão de defesa do consumidor não tem um recorte sobre quantas envolvem o assédio das instituições.
Em 2019 inteiro foram registradas 2.505 queixas, no ano seguinte 6.502 e, em 2021, somou 8.355. Neste ano, setembro foi o mês com maior número de reclamações: 787, segundo dados do Procon-SP.
‘Normas que já nasceram mortas’ — A coordenadora do Departamento Jurídico do Sindicato Nacional dos Aposentados (Sindnapi), Tonia Galleti, avalia que medidas adotadas até agora pelo INSS e pela Febraban para conter os abusos de instituições financeiras no cerco a aposentados para convencê-los a aceitar empréstimos consignados “parecem normas que já nasceram mortas”, pois não estão coibindo os assédios nem os golpes.
Ela diz que tem levado o tema para as reuniões do CNPS (Conselho Nacional de Previdência Social, do qual participa como representante do Sindnapi), mas até agora não foi encontrada uma solução eficaz. Tonia ressalta que o consignado é importante para os aposentados, por ter juros abaixo do mercado, mas é preciso ter regras mais eficientes contra abusos e golpes.
Além do INSS e do banco que faz o pagamento, os correspondentes bancários têm acesso aos dados do aposentado e esses acabam caindo nas mãos de “pastinhas” – como são chamados os agentes que trabalham com os correspondentes, normalmente sem registro formal e que ganham comissão por contratos assinados. O apelido vem do fato de esses terceirizados carregarem pastas com documentos e visitarem pessoalmente os aposentados oferecendo crédito e serviços.
Há dados, segundo Tonia, da atuação de mais de 500 mil “pastinhas” em todo o País e eles normalmente falam em nome das instituições financeiras para a qual trabalham ou dos próprios bancos que têm contrato com os correspondentes. “Essa relação informal pode contribuir com os excessos de ligações e até mesmo de golpes, já que é difícil ter um controle.”
Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
O advogado da área de relacionamentos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Lucas Marcon, avalia como “gravíssimo” e “abusivo” o excesso de ligações em um mesmo dia, em horários inapropriados e a dificuldade para identificar a origem das chamadas.
Marcon lembra que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) proíbe a divulgação de dados sem o consentimento do consumidor. “Contudo, a aplicação da lei por vezes não ocorre de maneira ideal.” O maior exemplo, diz, é quando idosos recebem ligações de financeiras de consignado mesmo antes de saberem se conseguiram a aposentadoria, o que traz fortes indícios de vazamentos de dados.
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