Cineasta paraense põe nas telas a cultura negra da Amazônia
Joyce Cursino fomenta o audiovisual nas comunidades periféricas
3 minutos, 46 segundos de leitura
16/06/2022
Por: Cassio Miranda e Wellington Frazão, Periferia em Foco
“O cinema é o lugar mais racista em que eu estive.” A frase é da cineasta Joyce Cursino, 25 anos, ativista, empreendedora, atriz e diretora executiva da Negritar Filmes, uma produtora cultural que valoriza o audiovisual afro-brasileiro em filmes que democratizam o cinema para comunidades periféricas amazônicas.
Ao perceber que o ambiente e a indústria do cinema são espaços excludentes, Joyce desenvolveu uma sensibilidade para o assunto e abraçou o engajamento. Nascida no bairro Jurunas, periferia de Belém, ela construiu uma trajetória profissional que a deixou conhecida dentro e fora do Pará. Um exemplo foi sua atuação na série Squat na Amazônia, no papel da protagonista Valentina, que faz parte de um grupo de jovens atores e atrizes insatisfeitos com a falta de oportunidades no teatro e no cinema na região Amazônica. “Foi quando percebi que era uma mulher negra, pois houve muita mídia em cima disso, como se fosse coisa de outro mundo uma mulher negra da Amazônia ser a protagonista de uma história no cinema nacional”, comenta.
Estímulos familiares — De ascendência quilombola, Joyce pertence a uma família pobre. Foi criada por mãe, avó e tias que saíram das cidades de Acará e Bujaru, no interior do estado do Pará, em busca de melhores condições de vida na capital paraense, Belém. Apesar das dificuldades, seus parentes a incentivaram a estudar e a acreditar em um futuro melhor. “Comecei a trabalhar muito cedo para ajudar com as contas em casa, então sempre fui dando um jeito de conciliar as duas coisas, trabalho e estudos, creio que não seja o ideal, foi uma jornada que me fez crescer, mas foi muito dolorosa“, conta a artista.
Na escola, desfilava, participava de eventos, festivais e lutava por seu espaço. Também gostava muito de TV, cinema e séries, que assistia pela janela nos aparelhos de televisão dos vizinhos, porque na época não tinha o aparelho em casa. Outra paixão desde a infância é a música regional: carimbó, brega e tecnobrega.
A mãe e as tias de Joyce trabalharam por muitos anos como empregadas domésticas. “Foram bastante exploradas até conseguirem juntar dinheiro e comprar uma casa de madeira”, diz Joyce, que contribuiu com a renda desde muito nova.
Projetos audiovisuais — A visibilidade alcançada com a personagem Valentina, interpretada por Joyce na série Squat da Amazônia, abriu caminho para outras produções voltadas a questões da Amazônia.
Joyce produziu, roteirizou, dirigiu e atuou na web série Pretas, do diretor Lucas Moraga, e participou de longas metragens como Eu, Nirvana, A Besta Pop e Cidade Ilhada. Como roteirista e produtora audiovisual, trabalhou na série Diz Aí, Juventude Negra e Indígena e Açaí, Mais que Um Fruto, para o canal Futura, e no documentário Alma do Cinema Não Tem Cor. Durante a crise sanitária causada pela covid-19, Joyce foi roteirista, produtora e foi diretora executiva da web série Pretas na Pandemia.
Acredito na coletividade e no fazer. A arte sempre foi pra mim essa possibilidade de construir uma outra narrativa, de viver uma outra realidade, de ser feliz, apesar de tudo (Joyce Cursino, atriz e cineasta)
Reconhecimento — O primeiro curta, É Coisa de Preta, conta a história de algumas mulheres pretas em várias partes do Brasil. O filme ganhou o prêmio de melhor mini documentário, em 2017, no Festival Osga de Vídeos Universitários, um projeto acadêmico da Universidade da Amazônia (Unama).
O principal projeto de Joyce, porém, foi (ainda é) a criação da produtora Negritar Filmes e Produções, em 2018. Uma empresa de audiovisual formada por pessoas negras. ”A ideia é fortalecer relações e conhecimentos da periferia e da mulher negra da Amazônia”, explica a cineasta, que também está à frente da iniciativa Telas em Movimento, criada em 2019 para democratizar o acesso ao cinema por meio de exibições filmes e oficinas, na periferia de Belém e em outras regiões. “Nós, as mulheres negras e periféricas que vivem na Amazônia, precisamos ser responsáveis pelo desenvolvimento das ações de valorização e representação da região amazônica”, diz. “Buscar ações junto aos governantes, ter mais representatividade das mulheres negras sendo autoras das suas próprias histórias.”
Quer uma navegação personalizada?
Cadastre-se aqui
0 Comentários