Dá para driblar a redução de tamanho e qualidade de produtos no supermercado?
Reduflação, fenômeno em que a indústria reduz a quantidade — e às vezes a qualidade — do produto para não aumentar o preço, tem se intensificado no Brasil e no mundo
Reduflação, fenômeno em que a indústria reduz a quantidade — e às vezes a qualidade — do produto para não aumentar o preço, tem se intensificado no Brasil e no mundo
Quem aí é dos tempos em que as barras de chocolate tinham quatro colunas? Se você vai ao mercado com certa frequência, deve ter reparado que diversos produtos tiveram seus tamanhos reduzidos. Barras de chocolate que tinham 110 gramas agora têm 80. Outras foram de 120 para 90. E suas fileiras não têm mais quatro e sim três quadradinhos. Esse fenômeno se chama “reduflação”. Basicamente, para não aumentar o preço, as marcas diminuem a quantidade e, em alguns casos, até a qualidade dos itens.
Com uma rápida pesquisa no Twitter, é possível encontrar consumidores insatisfeitos com as mudanças que têm encontrado nas prateleiras dos supermercados. As reclamações passam por leite condensado, que virou “mistura láctea”; manteiga, que passou a ser uma combinação de manteiga e margarina; e reduções de tamanho. A “dúzia” de ovos que agora vem com 10 unidades e a bandeja de frango tem menos de 1 quilo.
um monte de alimentos que a gente come estão mudando e piorando a qualidade, prestem atenção
leite condensado virou mistura láctea condensada de leite, soro de leite e amido
chocolate virou sabor/aroma de chocolate
leite virou composto lácteo
e compramos pelo mesmo preço…
— ondejacyviu (@JacyCarvalho) May 22, 2022
Tenho me irritado muito com isso. Embalagens de peito de frango de 800g.
Caixa de sabão em pó de 800g.
Tudo ao módico preço de 1kg
Sem ter a quem recorrer.
— Carlinhos Lannes (@carloslanes) May 10, 2022
Uma pesquisa do Instituto Reclame Aqui mapeou que 80% dos consumidores já perceberam que diversos produtos que eles buscam no mercado estão com tamanho ou qualidade reduzidos. Quase metade dessas pessoas afirmam que começaram a notar as mudanças de um ano para cá, o que coincide com um período de alta da inflação.
INFLAÇÃO Nos primeiros seis meses de 2022, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é o medidor oficial da inflação brasileira, já teve um acumulado de 5,49%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A meta determinada pelo Banco Central era que esse número ficasse entre 2% e 5% no final do ano, ou seja, o primeiro semestre foi encerrado com um IPCA acumulado acima do teto.
Em junho, a inflação acumulada nos últimos 12 meses foi de 11,89%, marcando o décimo mês seguido de IPCA acumulado acima de dois dígitos. Uma sequência dessas ocorreu pela última vez há quase 20 anos, entre novembro de 2002 e novembro de 2003.
A reduflação é legalizada? — Mudar o tamanho ou a embalagem de produtos não é ilegal desde que isso seja devidamente sinalizado. Qualquer mudança em peso ou quantidade de produto deve aparecer na embalagem, com letras maiúsculas, em negrito, com cores que contrastem com o fundo e em tamanho de fácil visualização, conforme determinação do Ministério da Justiça (portaria 81, de 23 de janeiro de 2002) e do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990). No ano passado, o Ministério da Justiça atualizou as regras (portaria 392, de 29 de setembro de 2021) e passou a determinar que as alterações fiquem expostas na embalagem por pelo menos seis meses, a partir da alteração de peso ou tamanho.
O fato é que sendo legalizada ou não, a reduflação tem afetado a decisão dos consumidores: 63% deles desiste da compra quando percebe as mudanças, de acordo com o Instituto Reclame Aqui. Por outro lado, entre março de 2021 e março de 2022, a inflação derrubou o poder de compra de 90% das profissões brasileiras, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), ou seja, a maioria dos trabalhadores não teve reajustes salariais que acompanhassem a alta inflação acumulada no período. A justificativa das empresas é que reduzem o tamanho dos produtos justamente para não aumentarem os preços e impactarem ainda mais o poder de compra dessas pessoas.
Inflação ‘disfarçada’ — Há quem diga que o fenômeno é uma “inflação disfarçada”, já que o consumidor vai pagar o mesmo preço, por uma quantidade menor ou por uma qualidade inferior de produto. Em muitos casos, o preço sobe de qualquer forma, um tempo após a alteração. Como já foi dito, a inflação impacta diretamente nesse cenário, principalmente pelo fato de setores como alimentação e bebidas, transportes e saúde e cuidados pessoais estarem entre os que mais acumularam alta nos últimos meses.
O preço do leite longa vida, por exemplo, aumentou 10,72% em junho e tem uma alta acumulada de 37% nos últimos 12 meses. Talvez isso explique o aparecimento do termo “bebida láctea UHT” ou “soro de leite” nos rótulos de caixas de leite dos supermercados Brasil afora.
‘Bebida láctea’ (não é leite) na prateleira do mercado. Foto: reprodução
De acordo com o Instituto Reclame Aqui, os consumidores têm percebido as alterações, principalmente, nos artigos de limpeza e de higiene pessoal, e também nos biscoitos e lanches. Ao mesmo tempo, a farinha de trigo, que é um ingrediente presente na maioria desses biscoitos e lanches, acumula uma inflação de quase 30% nos últimos 12 meses, segundo o IBGE.
Embalagens de sabão em pó e biscoito exibem a diminuição na quantidade de produtos. Fotos: reprodução
O fenômeno no mundo — A reduflação não ocorre só no Brasil. Na verdade, o fenômeno tem até nome em inglês: “shrinkflation”. Ao recorrer, novamente, ao Twitter, encontramos reclamações, de quem vive em outros países, muito parecidas com as dos brasileiros: embalagens menores e com quantidade reduzida , além de alterações na receita e na qualidade. Segundo a S&P Global, a inflação global de preços ao consumidor cresceu 7% em maio, em um ritmo que deve continuar acelerado até setembro. Mais uma vez, a inflação é a principal justificativa para a reduflação, não só no Brasil, como no restante do mundo.
Em 2014, a plataforma de pesquisas Science Direct fez um estudo em uma sorveteria de Chicago, nos EUA, e constatou que os consumidores são até quatro vezes mais sensíveis ao preço do que ao tamanho da embalagem. Uma outra pesquisa, publicada em abril deste ano, pelo pesquisador Gary Mortimer, professor de marketing e comportamento do consumidor da Universidade de Tecnologia de Queensland, mostrou resultados parecidos.
O experimento foi realizado em um supermercado de Brisbane, na Austrália, durante seis semanas, e consistiu na alteração de preços e embalagens de cinco produtos, com uma análise dos impactos dessas mudanças nas vendas. A conclusão do estudo também foi de que o preço dos produtos é mais perceptível pelos consumidores, então eles preferiram os preços mais baixos, mesmo que isso significasse uma redução no tamanho da embalagem. O autor atribui esse resultado a uma “resposta cognitiva automática”, que indica que as pessoas têm uma preferência inerente por preços mais baixos. Talvez seja esse raciocínio que leve as marcas a optarem por reduzir a quantidade de seus produtos, em vez de aumentarem os preços.
COMO LIDAR COM A REDUFLAÇÃO
Enquanto o cenário econômico do Brasil e do mundo estiver complicado, com a inflação nas alturas, esse tipo de prática deve continuar ocorrendo. Nós separamos algumas dicas que podem ajudar a contornar os impactos da reduflação no bolso do consumidor, na medida do possível
- Preste atenção aos tamanhos dos produtos: quando estamos no supermercado, vamos pegando os produtos da nossa lista muitas vezes sem reparar na quantidade que há nas embalagens. Essa prática nos leva a não perceber quando um produto tem seu tamanho reduzido, além de acabarmos não pensando muito se o preço está condizente com a quantidade. Então, atente-se ao peso e ao volume antes de colocar o item no seu carrinho.
- Tenha a mente aberta para outras marcas: se o produto da marca que você sempre compra não vale mais a pena, lembre-se que existem outras opções no mercado. Com os preços tão altos, vale testar alternativas. Geralmente, as marcas próprias dos supermercados têm preços mais atrativos, por exemplo.
- Atenção aos rótulos: além das mudanças de tamanho, as prateleiras estão cheias de produtos com as mensagens “nova receita” ou “nova fórmula”. Considerando que a maioria dessas alterações têm o objetivo de manter os preços, vale conferir o rótulo, principalmente na parte de ingredientes e na tabela nutricional, no caso dos alimentos. Além disso, alguns produtos de limpeza, por exemplo, estão rendendo menos usos e essa informação costuma estar em algum cantinho no rótulo.
- Em caso de irregularidades, denuncie: qualquer mudança de quantidade e fórmula do produto ou tamanho de embalagem deve estar sinalizada de forma clara no rótulo. Se você identificar alguma alteração não informada ao consumidor, denuncie ao Procon do seu Estado.
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