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Massacre do Carandiru: ‘demora é excruciante para as famílias’, diz advogada

Por: Estadão Conteúdo . 04/10/2022

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Massacre do Carandiru: ‘demora é excruciante para as famílias’, diz advogada

Marta Machado, da FGV, que pesquisou desdobramentos do caso, relembra entraves para a responsabilização dos policiais envolvidos

7 minutos, 7 segundos de leitura

04/10/2022

Por: Estadão Conteúdo

Detentos expõem faixa contra o massacre em janela da Casa de Detenção do Carandiru. Para conter uma rebelião que do pavilhão 9, a Tropa de Choque comandada pelo coronel Ubiratan Guimarães invadiu o presídio e matou 111 presos no dia 2 de outubro de 2022. FOTO: EPITÁCIO PESSOA/ESTADÃO CONTEÚDO

Com reportagem de Ítalo Lo Re, O Estado de S. Paulo

Três décadas após o massacre do Carandiru, nenhum policial foi preso pela morte dos 111 detentos na Casa de Detenção de São Paulo, na zona norte da capital paulista. Os processos já se arrastam por anos e, mesmo após condenações de 74 agentes envolvidos, as sentenças ainda não foram cumpridas. As indenizações também avançaram a passos lentos.

“Alguns familiares, mães e pais, morreram sem ter uma decisão da Justiça dizendo ‘seu filho foi morto em uma ação indevida do Estado’”, afirma a pesquisadora da FGV Marta Machado. Entre 2012 e 2015, ela liderou o projeto de pesquisa que resultou na publicação do livro Carandiru não é coisa do passado. Em entrevista ao Estadão, explica detalhes do caso.

Alguns familiares, mães e pais, morreram sem ter uma decisão da Justiça dizendo ‘seu filho foi morto em uma ação indevida do Estado’ (Marta Machado, pesquisadora da FGV)

Por que nenhum dos envolvidos no massacre foi preso até agora?

O processo criminal se arrasta há 30 anos, e só agora está quase perto de um desfecho. “Quase” porque ainda não há uma decisão condenatória transitada em julgado, que é o que autoriza a prisão. Depois que caiu a prisão em segunda instância, é necessário uma condenação transitada em julgado. No caso do (coronel) Ubiratan, ele chegou a ser condenado pelo júri e aí o órgão especial do Tribunal de Justiça reverteu essa condenação e o absolveu, em uma decisão bastante controversa e heterodoxa. Essa decisão seria objeto de recurso, mas ele foi assassinado.

O processo criminal foi desmembrado em relação ao Ubiratan porque, como ele se elegeu deputado, o caso dele passou a correr no órgão especial do Tribunal de Justiça. O caso dos outros PMs continuou correndo e, depois de muitos anos, em 2013 e 2014, aconteceram os júris. Os júris foram fatiados, foram várias sessões, divididas por andar, por tropa. Em todas, os policiais foram condenados. A defesa dos policiais recorreu e o Tribunal de Justiça anulou as condenações, por fundamento também bastante controverso.

No mês passado, a Comissão de Segurança Pública da Câmara aprovou um projeto que anistia todos os policiais envolvidos na morte dos 111 detentos. Como avalia iniciativas como essa?

Tem desde projeto de lei até o presidente Bolsonaro anunciando que vai anistiar, deu inúmeras declarações sobre indulto, anistia etc. O caso do Carandiru é um símbolo do problema da violência policial. Toda vez que o presidente Bolsonaro se manifesta a favor da ampliação da legítima defesa, da ampliação do poder de matar dos policiais, ele lembra do caso do Carandiru. Tem todo um conjunto de apoiadores desse tipo de política, que mobilizam o entorno dos acusados pelo massacre, como um símbolo de que eles não podem ser punidos. Não descarto essa possibilidade (de anistia). Ela está na mesa, vem sendo discutida, chegou ao governo federal.

Essa demanda de anistiar os policiais do Carandiru é forte e congrega todos que estão em torno dessa ideologia de suporte a execuções e de ampliação de hipóteses de legítima defesa dos policiais. O Carandiru, de um lado, congrega todo o movimento de Direitos Humanos, que está pensando a letalidade policial, e de familiares de presos, mas também é um símbolo forte para os que defendem esse tipo de política lei e ordem. Não me surpreenderia se o desfecho fosse a anistia. É importante destacar que a gente está falando de anistia, mas o sistema de Justiça não conseguiu produzir uma condenação mesmo depois de 30 anos. Isso é muito simbólico, essa curva que a gente fez.

Quais foram os principais motivos do atraso no julgamento?

A lei do escudo fala só em crimes dolosos contra a vida, então também teve que desmembrar as lesões corporais. Depois teve o desmembramento do Ubiratan. Toda vez que o caso era desmembrado, isso ia para o Tribunal de Justiça e ficava se discutindo competência. Houve muitas demoras no começo do caso, justamente para definir a competência, mas depois que definiu, a coisa não melhorou.

Minha maior crítica certamente vai para o TJ-SP, e às próprias decisões do tribunal. As anulações do júri são muito controversas. Imaginar que a gente conseguiu realizar esse júri depois de todos esses anos e o tribunal de Justiça vai lá e anula – já tinha feito isso no caso do Ubiratan, e agora vai lá e faz isso em outros casos.

Em quais condições estão hoje os policiais envolvidos no massacre do Carandiru?

Alguns policiais já até começaram a se aposentar, com vencimento integral etc. A carreira deles nunca foi abalada pelo massacre, pelo contrário. O que a gente viu (no projeto de pesquisa) é que eles continuaram na corporação normalmente, muitos inclusive subindo de posição na hierarquia.

Quantos policiais atuaram, de fato, no dia do massacre?

Foram mais de 350 policiais. Já teve um grande corte de quem foi acusado ou não. No inquérito policial militar, os policiais foram ouvidos e, todos os policiais que disseram que não atiraram, já foram retirados da ação penal. Então, a denúncia foi feita só em relação aos policiais que entraram na Casa de Detenção e que disseram que atiraram. Então, já tem uma quebra grande desse número.

E as responsabilidades das autoridades nunca foram investigadas. Quem deu a ordem de entrada deu uma ordem altamente questionável. No sistema judicial brasileiro pode se praticar crimes por negligência, por omissão. As autoridades que poderiam ter agido para impedir e não impediram, que tomaram a decisão de autorizar a entrada naquela situação. É um tipo de operação altamente arriscada. Se mandar 350 policiais fortemente armados para dentro do presídio, a chance de acontecer uma tragédia é muito alta. É uma decisão que uma autoridade tomou e, para cima do Ubiratan, que é o comandante da operação, a responsabilidade de ninguém foi sequer investigada. É algo também muito surpreendente. (…) A gente jamais começou uma investigação das autoridades. E é claro que agora não daria mais, já está tudo prescrito.

O que representa tamanha demora em apresentar uma responsabilização judicial e institucional efetiva para um caso tão grave?

Quando a gente pensa no sistema internacional de Direitos Humanos, a demora em si é considerada uma violação, a falta de resolução de Justiça é considerada um fator de revitimização, e demais violação de direitos humanos. Alguns familiares, mães e pais, morreram sem ter uma decisão da Justiça dizendo: “seu filho foi morto em uma ação indevida do Estado”. As famílias que já sofreram a perda do ente querido passam por um processo excruciante na Justiça.


CONTEXTO POLÍTICO DO MASSACRE DO CARANDIRU

Já havia naquele momento, e era muito presente, o discurso de execução, o discurso de que ‘bandido bom é bandido morto’. Isso está muito presente na cultura e naquele momento. A década de 80 é uma década de aumento da criminalidade, e também de aumento das execuções policiais. Tem alguns livros que contam isso, como o Rota 66, do Caco Barcellos. Já tinha, ali, naquele momento, um problema seríssimo de aumento de crimes patrimoniais e com isso, também, o aumento da violência policial. A gente estava vivendo um momento de muita brutalidade policial e disso sendo oferecido como uma solução de segurança pública, já estava no discurso dos governadores. A gente tinha o Fleury, que tinha essa característica de ser linha dura, já tinha a Rota, já tinha instalado ali uma polícia violenta.

Tem uma circunstância do momento, que acho que era importante, que era véspera de eleição. A ideia era um pouco abafar o que estava acontecendo ali. Tanto que também a cobertura jornalística foi muito prejudicada. Nos primeiros dias, ninguém sabe quantas pessoas morreram, eles vão soltando as informações aos poucos, os jornalistas vão tentando investigar, ver o que aconteceu. Tem uma participação muito importante do jornalismo naquele momento”, relata Marta Machado.


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