Para evitar fraude no sistema de cotas, USP adota banca de identificação racial
Mudança vale a partir do próximo vestibular
Para coibir fraudes nas cotas raciais, a Universidade de São Paulo (USP) vai criar uma comissão para verificar se candidatos que se declararam pretos ou pardos correspondem ao perfil racial informado por eles próprios na inscrição. A medida vale a partir do próximo vestibular para as 8.230 vagas oferecidas pela Fuvest. A comissão deve verificar os candidatos antes da confirmação da matrícula.
Com reportagem de Júlia Marques, O Estado de S. Paulo
Desde 2018, a USP adota cotas para alunos de escola pública e pretos, pardos e indígenas em todos os cursos de graduação. Apesar da política de cotas, não havia até então uma verificação prévia da autodeclaração dos candidatos.
A demanda de estudantes negros, para evitar que alunos que não tinham direito ocupassem vagas de pretos e pardos, enfrentava resistência interna na USP. Mas os próprios estudantes, organizados em coletivos, denunciavam as fraudes. De 2017 até o meio de 2021, a universidade já havia recebido 200 denúncias — sete delas resultaram na expulsão de alunos.
Os critérios usados pela comissão de verificação da USP ainda serão definidos, assim como a composição da banca. A universidade deve colher sugestões até o fim de julho. A ideia é que a identificação ocorra pelo fenótipo do candidato, ou seja, pelas características físicas, como cor da pele.
“Nossa proposta é que primeiro seja feita uma avaliação a partir da fotografia de inscrição dos alunos e sobre aqueles em que restar algum tipo de dúvida ou questionamento, faríamos uma conversa presencial”, explicou a pró-reitora de Inclusão e Pertencimento, Ana Lúcia Duarte Lanna. Ela espera que a própria existência da comissão de verificação iniba as tentativas de fraudes.
“Discutir o combate às fraudes com os supostos fraudadores matriculados é muito mais complicado. Quase sempre uma discussão dessa natureza acabava no Poder Judiciário” (Lucas Módolo, advogado e um dos fundadores do Comitê Antifraude)
Para o ex-reitor Vahan Agopyan, no entanto, a verificação de todos os alunos que se autodeclaram PPI era vista como uma ação “policialesca”. “Não é porque tem (fraudes) que vamos punir todo mundo fazendo a exigência”, disse ao Estadão, em 2020.
Neste ano, após a eleição do novo reitor, Carlos Gilberto Carlotti Junior, o Conselho Universitário aprovou a criação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento. Carlotti Junior já havia indicado a possibilidade de criar uma banca de heteroidentificação.
Outras medidas — Duas outras novidades foram anunciadas pela USP para o vestibular. Agora, todos os candidatos independentemente da categoria em que se inscreveram (ampla concorrência, escola pública ou PPI) serão classificados de acordo com a nota no vestibular. Serão preenchidas primeiramente as vagas para ampla concorrência, depois as de escola pública, e só então as vagas para PPI. Com isso, espera-se garantir que mais alunos negros e de escola pública ocupem as vagas na universidade.
O Conselho de Graduação determinou ainda a obrigatoriedade de apresentar comprovante de vacinação completo e doses de reforço para os calouros. “Inserir no sistema de matrícula o comprovante de vacinação vai ser condição para ter a matrícula aceita”, explica o pró-reitor adjunto de Graduação, Marcos Neira.
REFERÊNCIAS
Experiências adotadas em outras universidades devem ser estudadas para desenhar o modelo da USP para identificação racial. A banca de heteroidentificação já existe em universidades federais e nas estaduais paulistas. A Universidade de Brasília (UnB), primeira federal a utilizar cotas, foi pioneira no método de aferição. Segundo Ana Lúcia, o modelo de verificação prévia por meio da fotografia já é adotado por outras instituições, como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
ENTENDA A POLÍTICA DE COTAS
O sistema de cotas, adotado como política pública e na iniciativa privada, é uma ação afirmativa para diminuir injustiças sociais. As primeiras reivindicações e implementações de cotas surgiram na década de 1960 nos Estados Unidos. Elas evidenciavam e combatiam a desigualdade entre brancos e negros. Seu alcance atualmente extrapola questões raciais e econômicas — gênero e deficiência física também estão na pauta das iniciativas de inclusão e diversidade.
Em 2018, por exemplo, o número de matrículas de estudantes pretos e pardos (50,3%) ultrapassou pela primeira vez o de alunos brancos nas instituições de ensino públicas brasileiras. Saiba mais sobre o tema no podcast Expresso na Perifa (ouça aqui)
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