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Registros de feminicídio ainda esbarram em burocracia no Brasil

Por: Bruno Pavan . 06/10/2021

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Registros de feminicídio ainda esbarram em burocracia no Brasil

Metodologia usa mortes violentas de mulheres em casa como casos de crime de ódio

4 minutos, 49 segundos de leitura

06/10/2021

Por: Bruno Pavan

Feminicídio é o nome crime cometido por causa do gênero da vítima. A mulher é morta por ser mulher. Imagem ilustrativa: Getty Images

Os dados são do Atlas da Violência 2021o número de mulheres mortas fora de casa entre 2009 e 2019 diminuiu 20,6%. Os assassinatos dentro de casa, porém, cresceram 10,6% no mesmo período. Isso é um indício de que há um aumento de feminicídios.

Feminicídio é o nome do crime cometido por causa do gênero da vítima. A mulher é morta por ser mulher

A Lei 13.104, conhecida como a Lei do Feminicídio, entrou para o código penal em 2015, depois de um amplo debate com a sociedade e de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou a violência contra mulheres no Brasil. A diferença entre feminicídio e homicídio comum é que o primeiro se trata do crime cometido em razão do gênero da vítima. A mulher é morta por ser mulher.

Os números de feminicídio podem ser maiores por causa da subnotificação. Professora da PUC-SP e membro da Rede Feminista de Juristas (Defemde), Elaini Silva afirma que muitas vezes a burocracia impede que um feminicídio seja encarado como tal. Ela explica que, hoje, o reconhecimento da morte de uma pessoa depende de dois documentos: o atestado preenchido, assinado por um médico, e a certidão emitida por um cartório de registro civil. “A interpretação de se o autor do crime o fez em razão do gênero da vítima escapa à alçada do médico. Temos ainda o fato de que os órgãos do poder público envolvidos na investigação e na responsabilização dos acusados por vezes optam por outros tipos penais”, diz.

Masculinidade distorcida

Ainda que constantemente sejam feitas campanhas de informação , esclarecimento e combate à violência contra a mulher, outra pesquisa publicada pelo Instituto Sou da Paz aponta que, no primeiro semestre de 2021, o número de mulheres vítimas de homicídio ou feminicídio aumentou 2,6% no estado de São Paulo. As agressões subiram 5,4%.

Para Carolina Ricardo, diretora executiva do Sou da Paz, um dos motivos para esses aumentos está no machismo e na construção de uma masculinidade (distorcida) que enxerga as mulheres como propriedade.

“A violência contra a mulher é historicamente subnotificada. Elas muitas vezes desistem da denúncia ou retiram por medo”, diz Carolina. “Parte do aumento nos registros tem a ver com as vítimas se encorajando, mas também existe a dimensão que é a estrutura do machismo, e nisso a gente avançou muito pouco. Ainda existe um ideal masculino que vê a mulher como propriedade e legitima a violência. Você não tem uma uma formação de masculinidade que respeite o outro”, afirma.

Carolina destaca a necessidade de políticas públicas e ações da iniciativa privada aumentarem as redes de proteção e o diálogo no ambiente de trabalho para, que mais mulheres se sintam seguras nesses ambientes e rompam com o silêncio.


Acolhimento essencial

O processo para uma mulher conseguir superar as agressões físicas ou psicológicas que sofre em casa não pode parar na denúncia contra o agressor. É preciso que ela tenha um auxílio psicológico e acolhimento por parte do estado. Keli de Oliveira trabalha em um serviço especializado que atende mulheres em situação de violência doméstica na periferia da cidade de São Paulo.

Ela conta que para ser acolhida, não é obrigatório ter nenhum tipo de ocorrência aberta contra o agressor para que elas recebam o atendimento, que vai desde o legal até o psicossocial. “A gente tem uma advogada que atende os casos, uma psicóloga e uma assistente social. Além de oferecer esses atendimentos técnicos individuais, temos outras atividades que são coletivas. Desde oficinas de geração de renda, dança e ginástica. É um espaço de convivência extremamente importante e muito potente para as mulheres da região”, explica Keli

Arma resolve? Não

Outro ponto que chama muito a atenção de quem olha para os dados das mortes de mulheres é o uso da arma de fogo. De acordo com o Atlas, elas são responsáveis por 54,2% dos assassinatos fora de casa, e 37,5% dos casos dentro da própria casa. Em um momento em que a legislação brasileira está sendo alterada para dar ao cidadão o direito de ter mais munições e armas dentro de casa, Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, alerta que o aumento de armas de fogo no ambiente doméstico só piora o cenário.

“É possível que mulheres treinem tiro pra se defender, mas a vítima de violência dificilmente vai acessar uma arma em casa. Tem agressor que dorme com a arma embaixo do travesseiro, que janta com arma de fogo como forma de ameaçar. A arma no contexto de violência doméstica fragiliza ainda mais a mulher que já está vulnerável e ter acesso não vai ajudá-la a romper os ciclos de violência”, diz Carolina

Pesquisa

A pesquisa “O papel da arma de fogo na violência contra a mulher”, elaborada pelo Instituto Sou da Paz em 2021, também faz um recorte racial e aponta que 70,3% das mulheres vítimas de armas de fogo em 2019, tanto dentro como fora de casa, eram negras. O dado mostra um padrão da violência no Brasil onde a vítima é “escolhida” pela cor. “No perfil macro a maioria das vítimas de homicídios são homens, jovens, negros e moradores de periferias, mas quando você olha por gênero, isso se mantém. As mulheres negras morrem mais por arma de fogo do que as brancas”, afirma Carolina

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