A fotografia viva da maior ocupação urbana de Belém
Na lente do historiador Klewerson Lima, bairro da capital paraense conta sua própria história
O historiador Klewerson Lima, fotógrafo há dez anos, é um artista forjado no calor das periferias. Ele mora no Conjunto Habitacional Jardim Sevilha, no bairro do Parque Verde, uma das maiores ocupações urbanas de Belém. Em um projeto independente chamado de Minha Quebrada, Klewerson percorre o bairro, conversa com as pessoas e registra há quatro anos cenas do cotidiano. Tem o trabalhador que cozinha na lata, o homem que sobe pelas paredes com um balde nas costas, a mulher e seu bazar na calçada, as crianças.
A inspiração vem de uma corrente teórica da historiografia conhecida como “história vista de baixo” — aquela que é contada pelo povo de um lugar e não pelo poder, vencedor, colonizador. “Por ser um conjunto [ocupado] e em uma das principais avenidas de Belém [Augusto Montenegro], somos o patinho feio”, diz Klewerson. “A fotografia vem ajudar a desmitificar tudo que foi dito ao longo do tempo sobre a comunidade e reforçar o pertencimento de todos aqui.” Com o trabalho, o fotógrafo propõe uma espécie de fuga do centro. Quer que os moradores “se reconheçam como periféricos e entendam que na periferia também tem arte, coisas boas, e não só no centro”.
Entrevista a Carlos Gouvêa, do Periferia em Foco, em Belém
O que é o projeto Minha Quebrada?
É o registro do dia a dia da comunidade. Pessoas comuns retratadas o mais naturalmente possível. Elas não modelam. É um registro histórico do cotidiano, porque essas pessoas têm a ver com o Sevilha e muitas viram, desde a ocupação na década de 1990, melhorias, conflitos, urbanização. São testemunhas da história do conjunto. Fica o legado desses que construíram todo o processo da comunidade. Daqui a um tempo, alguém olhará as fotos e verá a mudança, tanto estrutural quanto social. [O objetivo] é que os moradores se reconheçam como periféricos e entendam que na periferia também tem arte, coisas boas, e não só no centro.
O que motivou o Minha Quebrada?
Não se trata de movimento social orgânico articulado, só a comunidade e a vontade de fazer algo. Sou formado em História pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e existe uma teoria chamada “história vista de baixo”, que trata da história pelos vencidos, dos que viviam à margem dos registros. Ao entender isso, vi que a história contada é sempre a dos vencedores, dos que estão no poder. Igreja, política, dinheiro. Entendi que a fotografia da comunidade contava a nossa história, nossos registros, nossa visão de todo o processo historicamente apagado. Algumas fotos tratam da construção da entrada do conjunto. Tivemos ajuda financeira externa, política, porém a mão de obra foi toda da comunidade. Desde comida, pedreiro, pintor.
Como você escolhe o que fotografar?
Eu sempre penso o processo histórico e priorizo os trabalhadores e os moradores mais antigos, porque viram e viveram. Por isso também entrevistamos. Eles nos revelam detalhes tanto na fotografia quanto no audiovisual. Tem também as crianças e a própria arquitetura.
Você se reconhece nas fotografias?
Quando saio pra capturar imagem, não saio com uma ideia, mas com o pensamento de que é a imagem que vai me pegar. Eu não cresci aqui na comunidade, e sim no bairro da Cremação [no início do século 20, era lá que se queimava o lixo de Belém, daí o nome]. Ao chegar no Sevilha, levei um tempo pra ter pertencimento. Hoje já me identifico muito pelo conviver, pelo tempo e pela fotografia.
Você já expôs na própria comunidade. Pretende mostrar as fotos em outros bairros?
Sim. A integração entre periferias deveria existir de todas as formas, como arte e cultura, e não pela violência. Uma exposição mostraria o contrário do que tá posto sobre a comunidade Sevilha, de ser perigosa. Mostraria que aqui tem uma comunidade que se conhece e se respeita.
Você pretende fotografar outros lugares?
Acredito que quem tem que fotografar é alguém do lugar, da quebrada, que sabe o que deve ser fotografado ou não. Precisa ser da comunidade.
Como você vê a arte na perspectiva do acesso à cidade?
Ter sempre que ir ao centro para exposição, filme e teatro e lá perceber que quem está no “centro” é a periferia. Fazer arte é perpassar por questões econômicas. Mais que isso, “ter grana” é bom, mas fazer arte é fazer que a periferia se encontre nesses espaços formais de exposições. É fazer arte para e na periferia. Sair do centro e voltar aos nossos locais de origem.
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