‘Agroperifa’ é cultura, conhecimento e solidariedade
Hortas urbanas compartilhadas dão suporte alimentar às famílias, recuperam áreas degradadas e ajudam na conscientização ambiental
Paulo Magrão, criador do projeto, conta que tinha conquistado um edital federal da área cultural para fazer um ponto de cultura e sua ideia era falar de comida — Magrão propôs a horta comunitária e deu certo.
Na época, de forma geral, os editais não entendiam que comida se encaixava como tema num projeto cultural — algo que até hoje causa alguma polêmica. Assim, o Cores e Sabores é um dos primeiros centros de referência desse tipo no Brasil.
Espaço de lazer, sociabilidade, cultura, ecologia e sustentabilidade, a horta é chamada por Magrão de pedagógica, porque o plantio vai de “A a Z” e inclui plantas nativas, legumes, ervas medicinais e pancs (plantas alimentícias não convencionais).
O edital que deu origem ao projeto durou dois anos, mas a organização continua de pé por meio de campanhas, eventos, saraus e do engajamento da população local, que tem acesso livre aos temperos e hortaliças de produção comunitária. Oito pessoas fazem parte de uma equipe fixa na Cores e Sabores, mas há outros colaboradores que ajudam em projetos de combate à fome.
“Pontos de cultura são centros de referência em determinadas manifestações culturais de uma comunidade”, explica Viviane Aguiar, doutoranda em História Social pela USP. Nesses locais as atividades estimulam o envolvimento da população local no conhecimento e na prática daquela cultura. Em hortas comunitárias como a Cores e Sabores, a cultura está nos alimentos
O que distingue um centro cultural como esse de uma escola, por exemplo, é a transmissão do conhecimento em rede, muitas vezes na oralidade e sempre pela experiência comunitária. O conhecimento e os saberes desses espaços é de certa forma um substrato da dinâmica social e econômica da comunidade
Modo de vida
Para o engenheiro florestal Clodoaldo Cajado, a periferia está redescobrindo um modo vida mais harmonioso. “Nos últimos cinco anos, os coletivos de permacultura periféricos estão provando que é possível o resgate da ancestralidade — por cultivo, bioconstrução, coleta de água da chuva e telhados verdes — em substituição de padrões que afastam o homem da natureza. O primeiro ponto dessa transformação é o alimento”, diz Cajado.
“Os coletivos de permacultura periféricos estão provando que é possível o resgate da ancestralidade em substituição de padrões que afastam o homem da natureza. O primeiro ponto dessa transformação é o alimento”
Clodoaldo Cajado, engenheiro florestal
O engenheiro está envolvido em dois projetos de hortas comunitárias. Um deles é o Bloco das Cores, no Jardim Rosana, também na zona sul de São Paulo. No terreno — que fica debaixo da linha de transmissão de energia elétrica da Enel —, há oito canteiros de horta e, em breve, será montada uma escola de agricultura sustentável. Metade da produção é doada e metade financia projetos de economia sustentável. No Campo Limpo, a outra iniciativa em que Cajado atua tem o nome de União Akasha. “É uma horta em espiral seguindo a sequência do matemático Fibonacci, com alimentos medicinais e ornamentais para ser um jardim terapêutico”, explica.
Outras paradas
Hortas urbanas comunitárias fazem parte da rotina de comunidades da zona Leste de São Paulo desde 2004. As mais conhecidas foram criadas por moradores dos conjuntos habitacionais da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). Também por ali há hortas cultivadas embaixo das estruturas que sustentam as linhas de transmissão da Enel em São Mateus, Itaquera, Guaianases, São Miguel e Cidade Tiradentes. São mais de 15 áreas de cultivo que fazem parte da Associação de Agricultores da Zona Leste (AAZL).
Na zona norte da capital paulista, no bairro do Tremembé, o professor Wagner Ramalho fundou em 2013 o projeto Prato Verde Sustentável, para produzir alimentos orgânicos no jardim Filhos da Terra. “Fui criado por uma família de origem indígena em Presidente Prudente [no interior do Estado] a partir dos 6 anos de idade”, conta Ramalho. “Tudo o que a gente comia era produzido pela família e era uma variedade muito grande na mesa.” Quando voltou a viver em São Paulo, o professor decidiu montar o projeto e mostrar que é possível fazer agricultura ecológica também nas cidades. Por ano, o Prato Verde Sustentável produz oito toneladas de alimentos.
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