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Desafios e soluções: quem depende de busão sabe que ir e vir não é fácil

Por: Rebeca Motta . 09/08/2021

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Desafios e soluções: quem depende de busão sabe que ir e vir não é fácil

Enquanto não for boa a forma como se pensa e coloca em prática a locomoção e o acesso às cidades, as desigualdades serão acentuadas

6 minutos, 43 segundos de leitura

09/08/2021

Por: Rebeca Motta

Atrasos, linhas desativadas no fim de semana e aglomerações em tempos de pandemia são alguns dos obstáculos da gincana que os moradores enfrentam em seus deslocamentos, todos os dias, nas periferias. Ilustração: Getty Images

Atrasos, linhas desativadas no fim de semana e aglomerações em tempos de pandemia são alguns dos obstáculos da gincana que os moradores enfrentam em seus deslocamentos, todos os dias, nas periferias

Reportagem de Rebeca Motta, Embarque no Direito, em São Paulo

Enquanto não for boa a forma como se pensa e coloca em prática a locomoção e o acesso às cidades, as desigualdades serão acentuadas. Para refletir sobre o transporte por ônibus e como ele afeta a vida das pessoas, o Expresso na Perifa conversou com a especialista em questões urbanas Bianca Tavolari e pediu que ela comentasse pontos críticos, além de propor soluções possíveis baseadas no que tem sido estudado a fundo sobre o problema: essa soluções existem e não são inalcançáveis. Só que dependem de políticas (e “vontades”) públicas adequadas.

 

Bianca Tavolari é professora, membro do Núcleo de Direitos e Liberdades e coordenadora do Núcleo de Questões Urbanas do Centro de Regulação e Democracia do Insper. Ela também é pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap)

Pandemia

“Uma pesquisa do LabCidade mostrou que na pandemia o transporte público foi um grande vetor de contaminação e de aumento de mortes de quem se valia desse transporte. Estamos falando de um privilégio e de uma desigualdade muito grande entre quem foi obrigado a trabalhar presencialmente desde sempre e quem pôde ficar em casa”, afirma Bianca. A pesquisadora Bianca Tavolari. Foto: arquivo pessoal

A pesquisadora Bianca Tavolari. Foto: arquivo pessoal

Estamos falando de uma série de pessoas que já são vulneráveis, que muitas vezes não tem um vínculo empregatício que garanta os direitos trabalhistas e ainda estão expostas a contaminação. Então existe uma piora na qualidade desse serviço, uma vez que estamos falando sobre vida e morte.
Bianca Tavolari, pesquisadora e professora do Insper

Tempo de deslocamento

Nas áreas centrais da cidade, a média de tempo que uma pessoa passa em trânsito é de 56 minutos. Esse tempo aumenta conforme os bairros se distanciam do centro, podendo chegar a duas horas e meia ou até seis horas, contando a ida e a volta.

Essa situação fica pior se o meio de transporte se atrasa. Ao destacar que a expectativa de vida entre áreas centrais e periféricas pode variar em até 40 anos, Bianca ressalta o absurdo que é submeter moradores das zonas mais afastadas a tanto tempo em trânsito.

Para poucos

Em 2020, um estudo de mobilidade urbana da Rede Nossa São Paulo concluiu que apenas 18% da população mora em um raio de até um quilômetro de estações de trens e metrôs. E mais: dos 29 distritos periféricos da cidade de São Paulo, 0% tem acesso direto a esse tipo de transporte e a população depende totalmente do ônibus. Muitos precisam madrugar para bater o cartão e garantir a pontualidade, já que as maiores oportunidades de trabalho estão no centro expandido da capital.

Por que tão desigual?

“O itinerário se baseia em como essa empresa vê a lucratividade. Elas recebem por usuário, então vão concentrar os ônibus nas linhas com maior número de passageiros”, explica Bianca. “Nos locais mais distantes os ônibus rodam, mas com tempo maior entre um e outro, atrasos e os carros mais antigos da frota.”

Emprego perdido

Moradora do Jardim São Luiz, zona sul de São Paulo, a estudante Jady Maria Bandeira de Lima, 22 anos, saiu de casa em direção ao Brás, na região central, com três horas de antecedência para participar de um processo seletivo. O ônibus quebrou no meio do caminho e a vaga de emprego foi preenchida por outra pessoa.

“Meu bairro é muito grande e tem um trânsito intenso. Ir até o centro de metrô era a melhor opção, mas eu não tinha dinheiro suficiente para duas passagens. Fiz o possível, mas não contava com a falta de manutenção do veículo. Cheguei atrasada, implorei para me deixarem fazer a prova que fazia parte da última etapa, mas não consegui. É frustrante.”

Preço da tarifa: R$ 4,40

Outra pesquisa da Rede Nossa São Paulo, agora de 2019, perguntou aos entrevistados se por causa do preço da tarifa eles já deixaram de fazer alguma coisa importante. Entre os que responderam que sim, as atividades que tiveram de ser abandonadas foram: visitar amigos e familiares (50%); passeios, cultura, lazer (45%); procurar emprego (37%).

Ou seja, quem está desempregado ou vive na informalidade sente ainda mais a dificuldade de arranjar trabalho ou se recolocar. “Existe um seguro-desemprego específico que permite que pessoas que foram demitidas tenham gratuidade no transporte, mas é isso: para obter o direito é preciso ser CLT e ter sido demitidonum período de seis meses.”

O IDEC tem sugerido em âmbito nacional que esse financiamento seja dividido entre usuários, poder público e a taxação de aplicativos de transporte, além de pedágios urbanos sem segregar nenhum território. Há uma série de políticas públicas possíveis para a redução da tarifa. E [é preciso] submeter as licitações a regras de competição, senão a gente fica refém de um monopólio.
Bianca Tavolari, professora e pesquisadora do Insper

Sensação de abandono

Claudia Alves Franco, 45 anos, vive do bairro Potuverá, no município de Itapecerica da Serra, região metropolitana de São Paulo. Ela diz que em sua cidade, após a substituição das vans pelo ônibus da empresa Bela Sintra, houve uma piora significativa no atendimento. “A lotação já era precária, mas passava com frequência. Hoje o ônibus passa três vezes por dia e não passa aos finais de semana e feriados”. Há dois meses o filho de Cláudia, que é autista, perdeu uma consulta no oftalmologista porque o ônibus que liga Potuverá ao centro atrasou.

A consulta foi remarcada para o primeiro semestre de 2022. O que atrasa ainda mais a cirurgia necessária para a qualidade de vida da criança. “É uma sensação de abandono, de impotência. Eu evito ao máximo sair de casa, principalmente com as crianças.”

Atrasos e ausências

Por causa de atraso e falta de manutenção em ônibus que quebra no meio da viagem, as pessoas vivem perdendo compromissos importantes, como consultas médicas difíceis de remarcar e entrevistas de emprego. Em São Paulo, 12,8% das linhas não operam aos sábados e domingos. Bianca reforça que esses atrasos e ausências não devem ser normalizados, porque violam um direito garantido pela Constituição e o direito do consumidor.

A quem recorrer

Idec: o Guia do Usuário de Transporte Público fala dos direitos básicos SPTrans: telefone 156 e canais de atendimento digital Procon: Espaço Consumidor Defensoria Pública: atendimento digital ou presencial.

Como melhorar

Muitos problemas seriam resolvidos se o processo de licitação das empresas com as prefeituras fosse mais democrático. Sem concorrência, elas ficam livres, porque mesmo diante de inúmeras reclamações, são a única opção para os passageiros.

Que monopólio é esse?

As licitações exigem que as empresas tenham frota, uma quantidade determinada de funcionários, garagem para os ônibus e terrenos enormes, caríssimos e difíceis de encontrar. Isso impede que empresas nacionais ou estrangeiras possam concorrer.

Soluções possíveis

  • Promover uma gestão mais participativa entre empresas e usuários para que sejam atendidas as necessidades de quem utiliza os meios de transporte todos os dias.
  • Distribuir a tarifa de forma polarizada. Atualmente, em São Paulo, o valor da tarifa é 100% repassado para os passageiros.
  • Aplicar políticas públicas possíveis para a redução da tarifa.
  • Submeter as licitações a regras de competição, para não ficar refém de monopólio.

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