Calçadas. Descaso do poder público traz risco de vida para idosos

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Negligência do poder público com calçadas representa risco de vida para idosos

Por: Daniela Saragiotto . Há 1h
PCD

Negligência do poder público com calçadas representa risco de vida para idosos

Situação ruim do calçamento também inviabiliza deslocamento de pessoas com deficiência (PCDs) e mobilidade reduzida

8 minutos, 1 segundo de leitura

17/10/2025

idoso andando de muleta
Segundo dados do IBGE de 2024, o perfil de brasileiros com mais de 60 anos de idade mais que duplicou entre os anos 2000 e 2023. Foto: Adobe Stock

A população a partir dos 60 anos de idade chegou a 33 milhões de pessoas em 2024, o que representa 15,6% dos brasileiros. Os dados foram divulgados em agosto do ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ocasião em que os 60+ ultrapassaram, pela primeira vez, os jovens entre 15 e 24 anos de idade. Esse perfil mais que duplicou entre os anos 2000 e 2023, evidenciando o problema das calçadas brasileiras.

Leia também: Situação das calçadas na cidade de São Paulo é desafiadora para a população

Embora essa população esteja se tornando cada vez mais numerosa no País e a expectativa de vida aumente a cada ano – hoje ela é de 76,4 anos, frente 75,5 registrado em 2023 –, as cidades brasileiras se mostram despreparadas para atendê-la nas situações mais básicas, como no ir e vir cotidiano.

Assim, ainda há uma parcela considerável de ruas sem calçadas no País, representando 16% da população que vive em áreas urbanas, ou 27 milhões de pessoas, segundo o Censo/2022. E onde a população conta com calçamento, ele não é adequado: mais de 80% das pessoas que vive em vias com calçadas relata buracos, obstáculos, descontinuidade, entre outros desafios.

Situação das calçadas em São Paulo

Na capital paulista, o cenário espelha o desafio nacional. Uma nota técnica do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), de 2021, elaborada com dados georreferenciados do GeoSampa, concluiu que quanto maior a quantidade de deslocamentos a pé, menores são as larguras medianas de calçadas. Os destaques negativos ficam nas periferias das zonas norte e leste da cidade de São Paulo.

“Ou seja, nos locais em que a população mais caminha, as calçadas são piores, inadequadas e com largura inferior ao mínimo recomendado”, resume Letícia Sabino, arquiteta, urbanista e diretora do Instituto Caminhabilidade.

Pesquisa feita em 2019 pela Rede Nossa São Paulo e Ibope Inteligência revela que 90% dos paulistanos classificam as calçadas e ruas da cidade de São Paulo como regulares, ruins ou péssimas quanto à acessibilidade para pessoas com deficiência e mobilidade reduzida.

Para Meli Malatesta, arquiteta, urbanista, mestra e doutora em mobilidade não motorizada e consultora em políticas públicas, a situação é muito grave. “Em torno de 39% dos deslocamentos do País são feitos a pé, de acordo com a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). E o que temos é uma falta de preocupação do poder público em proporcionar políticas que melhorem a qualidade das nossas calçadas”, diz.

Jogo de empurra-empurra

A definição da padronização das calçadas cabe à prefeitura, mas a execução e a manutenção são, em geral, responsabilidade do proprietário do imóvel. “Eu chamo de parceria público-privada, sendo que o poder público estabelece os materiais, normalmente antiderrapantes e características como largura mínima, onde deve ficar o posteamento e a arborização. E define também o mais importante, que é o espaço livre para caminhar”, explica Meli.

De acordo com ela, também é especificado para as concessionárias – que fazem manutenção de redes de água, gás, esgoto ou cabos elétricos – como devem ser os reparos quando fazem serviços que danificam as calçadas. “Ou elas fazem o conserto e deixam o calçamento igual estava antes, ou a prefeitura faz e cobra o dobro do valor delas”, explica.

Mas a realidade é totalmente diferente. “De tudo que é necessário, apenas a norma é feita. De resto, ninguém faz sua parte: concessionárias não respeitam a regra, as subprefeituras não têm equipes específicas para fiscalizar toda a extensão de calçadas de sua região e muitos agentes não estão preparados para exercer seu papel. O prejuízo fica para a população, principalmente idosos, pessoas com deficiência e com dificuldade de caminhar, que não conseguem andar nas vias em segurança”, diz Meli.

A especialista destaca a responsabilidade da população, que não cobra da prefeitura o direito de ter boas calçadas. “E ainda pratica todo tipo de irregularidade em frente aos seus lotes”, acrescenta.

“São escadarias, degraus formados pelas rampas de saída de automóvel na frente das residências, problemas que deveriam ter sido resolvidos no projeto de arquitetura do imóvel e não no espaço público. Ou mesmo calçadas feitas com material escorregadio, entre outros”, diz.

Problema de saúde pública

De acordo com José Carlos Adri Vasconcellos, fundador da TeleHelp, empresa de teleassistência que atende o público 60+, as quedas nessa faixa etária têm impactos físicos, emocionais e financeiros. Ele explica que mensalmente a empresa faz 9 mil atendimentos, sendo que 2,5 mil casos são urgentes. Entre janeiro e março deste ano, as quedas representaram 22% do total de acionamentos da TeleHelp.

“70% dos nossos clientes têm nosso produto para uso dentro de casa”, diz Vasconcello. “30% deles têm para uso externo. Nesse caso, trata-se de uma pulseira de silicone equipada com um botão que é acionado quando a pessoa precisa de ajuda. Assim, quando recebemos a chamada, temos todos os contatos de emergência do cliente e definimos, com eles, os próximos passos”, acrescenta o fundador da empresa.

Ele conta que o receio de tombos dentro de casa é grande, já que muitos idosos vivem sozinhos. Mas as quedas fora de casa podem ser ainda mais graves.

“Esses tombos reduzem muito a expectativa de vida dos 60+. Na maioria dos casos, provocam fraturas no fêmur ou no quadril, que comprometem ou inviabilizam a mobilidade e podem ser fatais”, afirma Vasconcellos.

De acordo com o Ministério da Saúde, mais de 100 mil pessoas com mais de 60 anos são hospitalizadas anualmente por esse motivo. E a queda é a principal causa de internação por traumas em idosos.

Dessa forma, além de deteriorar a saúde do idoso e provocar gastos adicionais – com equipamentos como muletas, andadores, cadeiras de rodas, além de adaptações na casa e profissionais como fisioterapeutas ou cuidadores – afeta também o lado psicológico.

“Afastado da convivência com outras pessoas e impedido de fazer seus deslocamentos habituais, o idoso se sente cada vez mais solitário e o risco de depressão aumenta”, relata José Carlos Vasconcellos, da TeleHelp.

Sem perspectiva de melhora para a situação das calçadas

A cidade de São Paulo tem, de acordo com Meli Malatesta, 20 mil km de extensão de vias ou 40 mil km de calçadas. “É preciso considerar que deve haver calçamento nos dois lados”, diz.

“No plano de meta de sucessivas gestões municipais, é colocado um número absolutamente ridículo de comprometimento de construção de calçadas, que é de 1 milhão de metros quadrados. Ou seja: isso representa menos de 1% das vias paulistanas”, afirma.

De acordo com ela, não há nenhuma iniciativa da atual gestão municipal de São Paulo para mudar esse cenário. “Nosso prefeito jogou o que iria gastar para fazer esse 1 milhão de metros de calçadas, que já eram insuficientes, para reasfaltar vias. Inclusive locais que não precisavam ser asfaltados”, diz.

E completa: ‘A prefeitura não cuida nem mesmo das calçadas em frente a prédios públicos, praças, jardins, parques e das vias estruturais. Se não cuida desses locais que são obrigação dela, imagine das demais”, finaliza Meli Malatesta.

Posicionamento da prefeitura de São Paulo

Em nota, a Secretaria Municipal das Subprefeituras informa que “realizou a manutenção de 1,046 milhão de metros quadrados de calçadas entre janeiro de 2021 e dezembro de 2024, em todas as 32 subprefeituras da cidade, por meio do Plano Emergencial de Calçadas (PEC).

As rotas definidas pelo PEC priorizaram locais com grande fluxo de pedestres, próximos a terminais de ônibus, ruas de comércio, pontos turísticos e equipamentos públicos de saúde e educação. As obras reparam obstáculos nos passeios, como buracos, degraus, desníveis e inclinações, reduzindo o risco de acidentes entre os pedestres.

De acordo com a Lei 15.442/2011, a manutenção e a adequação das calçadas particulares são de responsabilidade do proprietário do imóvel. Em caso de más condições do passeio, o responsável é multado e intimado a regularizar a calçada. Se no prazo de 60 dias a calçada não for readequada, uma nova multa é aplicada.

Neste ano, de janeiro a 9 outubro, foram aplicadas 1.086 multas e enviadas 3.273 notificações orientativas para readequação de calçadas. No ano passado, foram 831 autuações e 2.609 notificações orientativas.

A população pode solicitar os serviços de fiscalização de calçadas particulares ou reforma de passeios públicos por meio do Portal 156, acessível em https://sp156.prefeitura.sp.gov.br/portal, no aplicativo SP156 ou pela central de atendimento telefônico no número 156″.

Números preocupantes

  • 16% da população (27 milhões de pessoas) mora em ruas sem calçada;
  • 15% da população (26,5 milhões de pessoas) apenas vive em ruas com acesso para cadeirantes;
  • 33 milhões de pessoas têm 60 anos de idade ou mais, número que mais que duplicou nos úlimos 12 anos;
  • 100 mil internações por ano em pessoas a partir dos 60 anos de idade são causadas por quedas, que é o principal motivo de internação por traumas em idosos.

Fontes: Censo IBGE/2022 e Ministério da Saúde

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