“Ampliar o sistema metroferroviário é excelente notícia para SP”, diz Joubert Flores, da ANPTrilhos
Um dos participantes do Summit Mobilidade, que ocorre no dia 28 de maio, em São Paulo, fala sobre os planos para ampliar a malha de metrô, os projetos dos trens intercidades e a questão da segurança do modal após os acidentes que aconteceram recentemente

Em 2024, os sistemas urbanos de transporte de passageiros sobre trilhos no País – trens, metrôs e Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs) – transportaram 2,57 bilhões de pessoas ao longo do ano, o que representa crescimento de 3,6% em relação a 2023. Apenas no Estado de São Paulo, a rede urbana transportou 1,9 bilhão de passageiros, o que representa 76% da demanda nacional.
O enorme contingente de passageiros transportados diariamente revela a importância do sistema sobre trilhos para a mobilidade urbana do Brasil, embora o setor questione falta de investimentos e reinvidique mudanças em relação ao financiamento. Para entender melhor essas e outras questões, assim como o boom recente de novidades anuciadas pelo governo do Estado de São Paulo, conversamos com Joubert Flores, presidente do conselho da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos).
O executivo da ANPTrilhos participará de um dos painéis do Summit Mobilidade 2025, evento promovido pelo Mobilidade Estadão, com patrocínio da Stellantis, e apoio do Estadão Blue Studio e da Rádio Eldorado, que ocorrerá na próxima quarta-feira (28), no Teatro Bravos, no bairro de Pinheiros, zona oeste da capital paulista. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Ultimamente, o transporte de passageiros sobre trilhos tem recebido muita atenção, principalmente devido aos anúncios feitos pelo governo do Estado de São Paulo para ampliar o sistema metroferroviário. O setor, de fato, tem o que comemorar?
Joubert Flores: No caso específico de São Paulo, acho que há motivos para comemorar sim. Porque claramente o que está acontecendo é um movimento de continuidade na expansão do sistema metroferroviário. Porque o que temos no Brasil é um negócio muito estranho, um conceito que foi criado há muitos anos em mobilidade que eu chamo de “pneu contra trilho”. Isso precisa mudar. Temos os trilhos para atender os corredores, onde a capacidade [de passageiros] é alta demais para que seja atendida com pneu. Então, deve haver integração entre os modais e eles devem atuar de forma complementar para que haja uma capilaridade maior.
Outra ideia equivocada que nossa sociedade criou é que o trilho é muito caro e que todo transporte pode ser feito com pneu. Ou seja, com o modal rodoviário. Veja, tudo isso está errado, porque os benefícios extrapolam os financeiros: redução de emissões de poluentes na atmofera, transporte sobre trilhos evita gastos de saúde com acidentes, economiza tempo das pessoas, citando apenas alguns exemplos.
Basta lembrarmos que, na década de 1960, em São Paulo, tínhamos cerca de 400 km de bonde; no Rio de Janeiro tinha outros tantos e hoje não temos mais nada. Eu era pequeno e me lembro que começamos a ter um modelo de ônibus circulando que era uma espécie de vã ou lotação da nossa época. E as pessoas apreciavam os benefícios dos transportes que levavam o mais perto possível da porta de casa, o que também se mostrou, com o tempo, uma ilusão. Foi uma época em que a cidade passou a ter muitos carros circulando e o bonde ficou com fama de lento – um modal que atrapalhava os carros. Como se todo o sistema de transporte fosse feito para automóveis, o que, em certa medida, se perpetua até hoje.
E isso difere da evolução das cidades europeias, que tem o mesmo transporte sobre trilhos, mesmo tendo crescido. Hoje, temos um nível de urbanização gigante, cidades lotadas, corredores supercarregados. E não nos resta alternativa senão investir nos corredores certos. É o que eu acredito que São Paulo está fazendo. Um ponto importante é que temos no Estado trens suburbanos desde 1930 e metrô subterrâneo desde 1970. Buenos Aires, na Argentina, existe desde 1913.
Mas, se avaliamos as cidades da América Latina que começaram junto com a gente – e Buenos Aires é um ponto fora da curva, porque iniciou muito antes –, como Rio de Janeiro, São Paulo, Cidade do México, Santiago, no Chile, entre outras, todas iniciaram com o metrô na década de 1970. E hoje o Rio de Janeiro tem cerca de 50 km de metrô. São Paulo tem pouco mais de 100 km, enquanto Santiago e Cidade do México possuem mais de 200 km cada. Então, o Brasil tomou uma decisão política equivocada.
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Como o sr. avalia os projetos de expansão no Estado dos trens intercidades partindo de São Paulo para Campinas, Sorocaba e Santos? Há demanda para sustentar essas linhas?
Flores: Respondo com um questionamento: faz sentido a gente ter um País do tamanho do nosso sem um transporte ferroviário regional intercidades? Porque a China, por exemplo, tem 40 mil km de trem de alta velocidade. Tudo bem, a China é um case, mas vamos pegar um exemplo mais próximo da realidade: a Espanha, que talvez caiba dentro do Estado de Minas Gerais. Ela tem 3 mil km de trens de alta velocidade, fora os outros. Por que será? Porque faz todo sentido.
Até os anos de 1960, viajávamos para Ribeirão Preto (SP) de trem. Claro que ele precisaria ter sido modernizado, mas não podia ter sido erradicado, como foi. Na época, todas as linhas de trens inter-regionais transportavam por ano quase 90 milhões de passageiros. Hoje, são só duas linhas [Vitória-Minas Gerais e Carajás-São Luiz, ambas operadas pela Vale] que contam 1,3 milhão de passageiros/ano. Hoje, quando vamos para alguma dessas cidades, pegamos ônibus ou avião.
Mas essas médias distâncias, que podem ser feitas com um trem de 200 km/hora em 1 hora, permitem que as pessoas morem no interior e trabalhem na capital, viajando de maneira confortável e rápida. Elas fazem muito sentido. Agora, não vamos esquecer uma coisa: imaginar que o custo da operação pode ser pago apenas pela tarifa não existe nem aqui, nem em lugar nenhum do mundo. Se não houver um apoio para isso, não vai funcionar. Então, precisa ter uma política pública associada.
Em outros Estados do País também há tendência de crescimento do sistema metroferroviário?
Flores: Existem iniciativas para expansão, mas o Estado de São Paulo é o melhor exemplo que temos no Brasil. No Rio de Janeiro, o último crescimento grande foi feito para os Jogos Olímpicos de 2016. De lá para cá, temos uma estação que ficou por terminar, que é a da Gávea, está paralisada e o contrato para sua conclusão foi assinado há um mês.
Temos muitos outros projetos também, mas são embrionários, como a Linha 3 de metrô da Bahia para interligar São Gonçalo, que talvez seja a segunda mais populosa do Estado e é uma cidade dormitório. Lá, o fato de não ter transporte público adequado faz com que a rodovia BR-101 tenha engarrafamentos todos os dias. Há planos em Belo Horizonte (MG), que está construindo uma nova linha; Brasília (DF), que ainda tem muita discussão sobre a concessão ou não e sobre o VLT [Veículo Leve sobre Trilhos] da W3. O Ceará também tem projetos. Mas nenhuma dessas iniciativas pode ser comparada ao que temos hoje em São Paulo.
Em São Paulo há projetos de expansão nas linhas 2 e 4 e inauguração da Linha 6, prevista para 2026, citando alguns. Com isso, é possível estimar quantos km de trilhos de metrô teremos até 2030?
Flores: Essa é uma pergunta difícil de responder. Temos um backlog em execução de 60 km, que eu acredito que teremos antes de 2030. Agora, se você for olhar tudo que tem planejado no País todo, mas que nunca saiu do papel – incluindo linhas regionais e intercidades –, seria mais de 3 mil km.
Na sua avaliação, os recentes acidentes que aconteceram em São Paulo (Monotrilho Linha 15-Prata e Linha 5-Lilás) comprometem a confiabilidade das pessoas no transporte sobre trilhos?
Flores: A questão do monotrilho – Linha 15-Prata, já operacional, e a futura Linha 17-Ouro – sempre foi objeto de polêmica. Quando a Linha 15 foi implantada, alguns técnicos acreditavam que não precisávamos dessa tecnologia do monotrilho, que ela poderia ter sido a mesma do metrô.
Agora, passado tanto tempo, é difícil dizer quem estava certo ou errado. O ponto é que o monotrilho é uma tecnologia que exige mais cuidados. Mas ela não opera só no Brasil e ela é segura. Se avaliarmos percentual de acidentes, estamos falando de um acidente fatal, comparado com 50 mil que temos no trânsito por ano. É importante avaliar a proporção de passageiros transportados pelo número de vítimas.
As pessoas confiam no transporte sobre trilhos e isso precisa ser mantido. Temos um sistema com alto nível de automação, inclusive nas portas das plataformas. E, por mais que os sistemas tenham um nível de segurança testado, não há nada que impeça 100% de acontecer alguma coisa. Então, ou você tem que fazer outros investimentos, como é o caso da Linha 5-Lilás, para impedir que alguém fique preso no vão entre o trem e a plataforma, uma medida de proteção que está sendo instalada. Mas tem um ponto importante: é fundamental que as pessoas respeitem as regras, porque segurança é responsabilidade de todos.
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O balanço da ANPTrilhos de 2024 mostra que, entre 2023 e 2024, o aumento de passageiros no sistema metroferroviário foi de apenas 3,6%? Este crescimento não está muito lento?
Flores: Quando a pandemia terminou, pensamos que iríamos recuperar o número de passageiros em pouco tempo e chegar à demanda de antes, mas não foi isso que aconteceu: encontramos uma nova realidade pós-pandemia. E, se pararmos para pensar, 60% das pessoas que usam o transporte sobre trilhos o fazem para trabalhar e sabemos que ainda hoje há muitas empresas que ainda estão no modelo híbrido.
Esse e outros fatores reduziram a demanda e hoje transportamos 80% dos passageiros que a gente transportava em 2019. Mas estamos crescendo e logo vamos chegar aos 90%. É evidente que quando você tem menos passageiros, você também tem menos capacidade de financiamento.
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Qual a expectativa sobre o Plano Nacional Ferroviário? Quando o sr. avalia que será publicado e o que irá representar para o setor?
Flores: Estamos acompanhando isso com muita expectativa. A responsabilidade agora está com a Secretaria Nacional de Transporte Ferroviário (SNTF), do Ministério dos Transportes. Isso começou lá atrás, e fomos chamados para contribuir num possível retorno da Ferrovia Regional, tentando, quando possível, aproveitar trechos ferroviários, que hoje estão com as operadoras de carga, mas que não são utilizados.
Nesse sentido, devemos ter cerca de 30 mil km de ferrovia, dos quais talvez sejam utilizados cerca de 20 mil. Então, há muitos trechos, que antes passavam dentro da cidade – mas que hoje um trem de carga de 1,5 km de extensão fica inviabilizado de circular em área urbana – que poderia ser reaproveitado para uma reestruturação ou plano. E isso está em discussão para que seja lançado pelo Poder Executivo e trabalhamos para que essa decisão seja tomada.
Existem várias expectativas, mas uma delas é bem concreta, mas, nesse caso, é apenas urbana. O BNDES está fazendo um plano ferroviário e, primeiro, foram colocados seis projetos no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). E eles são pensados também para atrair capital privado, não tem como fazer tudo isso que está sendo proposto apenas com dinheiro público. Ainda não tem previsão de ser publicado, mas a boa notícia é que vemos no governo federal uma intenção muito grande de fazer essa virada de chave.
O Summit Mobilidade Estadão acontece no dia 28 de maio, das 8h30 às 18h, no Teatro Bravos (Instituto Tomie Ohtake), em São Paulo. Confira a programação completa e inscreva-se aqui.
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