Quando menos é mais
Representante de uma economia de baixo carbono, ciclologística ainda é desvalorizada pela sociedade.
Quem mora nos grandes centros urbanos vivencia o aumento na atividade de entrega de mercadorias por bicicleta, sejam convencionais, sejam elétricas. Mesmo visível, essa elevação da chamada ciclologística (veja reportagem nas pág. 6 e 7, desta edição) é de difícil quantificação, tanto pela informalidade, que recai sob a atividade, quanto pelas suas diversas modalidades. O que se sabe é que a logística urbana ganha um aliado de peso com as bikes e que é urgente encontrar formas de reconhecer e valorizar essa profissão.
Para uma reflexão sobre o tema, conversamos com Daniel Guth, diretor executivo da Aliança Bike e um dos curadores do Parque da Mobilidade Urbana, evento que acontece de 23 a 25 de junho, no Memorial da América Latina, em São Paulo.
As entregas por bicicleta aumentaram muito na pandemia. Como você avalia esse movimento do ponto de vista da mobilidade urbana?
Daniel Guth, diretor executivo da Aliança Bike: A ciclo logística vem crescendo, de forma exponencial, há alguns anos. Esse movimento teve um aumento acentuado, principalmente, na modalidade via aplicativos, com destaque para a entrega de comida, além do e-commerce – ambos com incremento na pandemia. Mas isso já vinha acontecendo mesmo antes dela.
Então, todas as manifestações da ciclologística – entregas do comércio local à residência das pessoas, pedidos de comida via apps, e-commerce por empresas de bike courrier e serviços por bicicletas – vêm crescendo, ao longo dos anos, o que é excelente do ponto de vista da mobilidade urbana, pois, antes, essas entregas eram feitas por modos motorizados, poluentes, que ocupam muito espaço e contribuem, diretamente, para os índices de congestionamento.
Outro aspecto é o fator de reorganização do sistema logístico: com a bike sendo um dos modos mais eficientes da chamada última milha, ela passa a ser incorporada pelas embarcadoras e operadoras em um projeto de reconfiguração do processo. Então, seu impacto vai muito além da entrega em si, descentralizando esse sistema, diminuindo os custos para a cadeia logística e ainda proporcionando as externalidades positivas à sociedade e às pessoas já mencionadas.
Qual a importância dos sistemas de compartilhamento de bicicletas?
Guth: É um movimento crescente. Começou de forma tímida e se tornou uma das principais plataformas, em São Paulo e no Rio de Janeiro, de acesso à ferramenta de trabalho para os entregadores de uma modalidade: a dos profissionais que trabalham via aplicativo.
importante compreender que as entregas por apps – que são importantes, empregam muita gente e fazem circular produtos e alimentos – são uma das vertentes da ciclologística. Essses sistemas cresceram, com investimento feitos pelas próprias empresas, principalmente do iFood, seguindo políticas internas de redução de emissões. E as bikes elétricas do programa iFood Pedal, em parceria com a Tembici, têm um papel fundamental na medida em que cobrem um raio de atuação maior no algoritmo dos apps, aumentando o número de entregas e os ganhos dos profissionais.
É importante mencionar, também, que a pesquisa da Aliança Bike do perfil dos entregadores de aplicativos, apontando a principal demanda deles – aumento no raio de atuação, o que diminui o tempo ocioso e eleva os ganhos –, foi acatada pelo principal app do mercado, o iFood. Além disso, os sistemas são importantes, uma vez que o ciclista não precisa de equipamento próprio, o que proporciona mais segurança, já que a empresa faz a manutenção das bikes.
Embora façam parte do cotidiano das pessoas, esses profissionais ainda são marginalizados. Como trazer valorização à atividade?
Guth: Vejo dois caminhos. Em primeiro lugar, dar garantias fundamentais a esses trabalhadores, um aspecto mais jurídico, com uma rede de proteção e diretos trabalhistas garantidos. Essa atividade precisa sair do universo da marginalização e da informalidade, com base em um olhar diferenciado do próprio Estado e com responsabilidades das empresas perante seus trabalhadores.
E o segundo, aspecto mais voltado para a sociedade, que é a valorização desse profissional e da logística, que passa a ser um elemento estruturante em nossas vidas, na organização das cidades e nas transações comerciais. Neste momento, é necessário criar políticas justas, e questionar culturas como a do “frete zero”. Isso corrói essa valorização, impacta na cadeia e recai sobre os mais fracos.
Então, vejo que movimentos como dar gorjetas, além do frete, são formas positivas de fazer com que as pessoas reflitam sobre essa atividade, mas é necessário criar mecanismos mais fortes e estruturados pelas empresas e pela sociedade para favorecer esse trabalhador.
Para saber mais, acesse: parquedamobilidadeurbana.com.br.
Destaques numéricos:
• 39% dos principais operadores logísticos no País já usam as bicicletas na última milha e 21% planejam usar*
• 1 tonelada de CO2**, por ano, deixa de ser emitida por ciclista entregador, caso fosse feita por uma motocicleta
* Associação Brasileira de Logística (Abralog)/2021
** Fonte: Pesquisa Perfil do Ciclista Entregador por Aplicativo/Aliança Bike 2019
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