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Especial Covid -19: mobilidade disruptiva, sustentável e inclusiva

Por: Beatriz Faria . 15/05/2021

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Especial Covid -19: mobilidade disruptiva, sustentável e inclusiva

Como a pandemia evidenciou as desigualdades sociais presentes na mobilidade urbana e quais são os próximos passos para a volta à normalidade

5 minutos, 17 segundos de leitura

15/05/2021

Por: Beatriz Faria

Com a pandemia causada pelo coronavírus ocorreram mudanças significativas na maneira como se ocupa o espaço urbano. Com as medidas de isolamento social, o deslocamento para o trabalho, estudo e lazer de uma parcela da população foram substituídos pelo home office, chamadas de vídeo e lives nas redes sociais. Apesar disso, existe a outra parcela que continua tendo a necessidade do deslocamento, sendo que, aqueles que dependem do transporte coletivo, passaram a enfrentar o risco de contaminação iminente e evidenciaram problemas estruturais que já existiam, mas que agora estão escancarados.

O Brasil exportou da América do Norte a valorização dos transportes individuais. A partir do momento em que os carros passaram a representar um status social, sendo objetos de consumo da parcela mais rica da população,  as cidades passaram a se moldar a eles. A universalização do automóvel se deu portanto no contexto da individualização, sendo que esses passaram a ser objetos de desejo já que, além de representarem esse status de desejo, passaram a ser também a melhor forma de deslocamento em grandes centros urbanos.

Além disso, a construção de obras rodoviárias intensificaram o processo histórico de gentrificação, obrigando indivíduos das classes mais pobres a se deslocarem para as regiões periféricas da cidade para abrir espaço para viadutos e avenidas. Assim, a classe trabalhadora passou a enfrentar longos deslocamentos para ter acesso ao trabalho, educação e lazer que continuaram concentrados nas partes mais centrais da cidade.

As condições de deslocamento sempre foram objetos de debate aos críticos do sistema de mobilidade urbana presente no país. Contudo, durante a pandemia do coronavírus, essas condições passaram a não apenas representar a falta de bem-estar dessa parcela economicamente mais pobre da população, mas passaram a apresentar um risco letal para aqueles que se encontravam na obrigação de vivenciar jornadas longas em transportes públicos lotados, se expondo ao vírus e as suas consequências.

Nesse sentido, a decisão da diminuição da frota de veículos no início da pandemia mostra como a logística de licitação do país, que parte da remuneração por passageiro, já foi planejada pressupondo a lotação. A partir do momento em que existe a diminuição da frota em um contexto em que o distanciamento social é necessário, a classe trabalhadora se vê em um contexto que potencializa a disseminação do vírus, levando este para regiões da cidade em que as residências já são precárias, com ruas estreitas, falta de condições sanitárias, ventilação e alta aglomeração.

Existe também a questão ambiental que permeia o uso de automóveis: veículos particulares são altamente poluentes, emitindo oito vezes mais poluentes do que os ônibus por passageiro transportado. Prova disso é que,  durante a quarentena, a quantidade dos níveis de poluentes atmosféricos em grandes centros urbanos reduziu pela metade, sendo que estima-se que cerca de 77 mil vidas tenham sido poupadas pela redução da poluição do ar apenas pela quarentena na China.

A grande questão da pandemia é que, as autoridades ao contrário de se preocuparem em aumentar a circulação de veículos para evitar aglomerações, pela falta de receita, reduziram as frotas, demitiram funcionários e precarizaram ainda mais esse serviço. Paralelo a isso, serviços como Uber, Lift e 99 cresceram com a promessa de serem a melhor forma de deslocamento no contexto atual, promovendo o distanciamento, ao mesmo tempo que oferecendo conforto para os passageiros, aumentando ainda mais a frota de veículos em circulação nos centros urbanos.

Aí é que está o grande X da questão da mobilidade: não adianta promover apenas o enfrentamento dos veículos individuais, sem que existam alternativas viáveis. Enquanto a qualidade do transporte público for precária e não existir iniciativas que promovam a mobilidade ativa, a população continuará almejando possuir veículos individuais que tragam benefícios individuais, mesmo que isso gere prejuízos coletivos.

Mobilidade para todos

O planejamento urbano deve traçar novos olhares para a cidade, garantindo não exista apenas a promoção da mobilidade ativa nos centros urbanos, como também entenda os deslocamentos necessários para a classe trabalhadora e garanta que esses possam ser realizados em menos tempo e com mais conforto. Não basta dizer que é preciso incentivar o uso do transporte coletivo para pessoas cujo trajeto trabalho/casa é de mais de duas horas divididas entre mais de duas conduções, muitas vezes lotadas, em pontos de ônibus que as expõem ao frio, à chuva e ao calor extremo. É preciso fazer o processo contrário à gentrificação, garantindo que as pessoas possam morar perto do trabalho, da escola e dos centros de lazer.

Ainda, é preciso entender que o transporte público causa desconforto em uma parcela considerável da população. Além de serem inacessíveis para pessoas portadoras de deficiência, é local de violência para as mulheres que necessitam desse serviço para o deslocamento e circulação no espaço urbano. De acordo com a pesquisa Chega de Fiufiu, realizada pela ONG Think Olga, 64% das mulheres relataram ter sofrido algum tipo de assédio no transporte público. Ainda, dados que completam a pesquisa levantados pela Agência Énois – Inteligência Jovem, em parceria com os institutos Vladimir Herzog e Patrícia Galvão, a maior parte das mulheres entendem que o espaço público não há segurança, sendo que 94% das entrevistadas foram assediadas verbalmente e 77% fisicamente.

Nesse sentido, é preciso entender a necessidade de promover uma mobilidade que ande lado a lado com o planejamento urbano, tendo como principal prioridade promover o conforto e bem-estar da população que realmente necessita do serviço para se locomover no espaço urbano. Não adianta apenas colocar Wi-Fi nos ônibus na esperança que modernizar o serviço fará com que esse seja mais atrativo: é preciso entender como as demandas reais e históricas que os processos de gentrificação e violência sistemica contra mulheres, negros, deficiêntes e trabalhadores afetam a acessibilidade na cidade.

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