Inteligência artificial no mobilidade urbana: segurança que se mede em segundos
Se há um lugar onde a tecnologia precisa provar valor é no segundo que separa o susto da colisão. nesse segundo, cidades inteligentes salvam vidas
3 minutos, 48 segundos de leitura
28/10/2025
A inteligência artificial (IA) no trânsito não é futurismo: visão computacional, telemetria e processamento na borda já permitem prevenir acidentes e acelerar respostas – desde que haja governança de dados.
Câmeras e sensores deixam de “filmar o passado” e passam a prever risco em tempo real, sinalizando invasão de faixa de pedestres, avanços de sinal, contramão de motos e “quase-acidentes” (near-miss, em inglês), insumo mais valioso para a prevenção.
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Em cruzamentos críticos, algoritmos detectam conflitos e sugerem ajustes finos de tempos semafóricos (fases exclusivas para pedestres, travessias elevadas, reposicionamento de pontos). Em corredores de ônibus, a IA identifica paradas irregulares que travam a faixa e, sob chuva, reprograma o verde para velocidades menores sem criar gargalos.
Em ciclovias e áreas escolares, a análise de vídeo mede fluxo, velocidade e conflitos entre modais, guiando intervenções simples e cirúrgicas – pintura, tachões, ilhas de refúgio – exatamente onde o dado aponta maior retorno.
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Inteligência artificial: viagens mais rápidas
Cases reais mostram o potencial. Em Pittsburgh (EUA), o sistema Surtrac de sinais adaptativos reduziu tempos de viagem em cerca de 25% e esperas em mais de 40% nos corredores equipados, reduzindo exposição a conflitos e frenagens bruscas.
Em Hangzhou (China), o programa City Brain integrou câmeras, IoT (Internet das Coisas) e acionamentos de emergência. Com isso, a velocidade média no trânsito da cidade aumentou 15% nas vias principais e a resposta das ambulâncias se tornou quase 50% mais rápida nas áreas atendidas.
Na região conhecida como Midlands Ocidentais (Reino Unido), sensores de visão do programa VivaCity passaram a medir os “quase-acidentes” para mapear pontos de alto risco, orientando novos projetos e prioridades. Semáforos inteligentes, conectados e sincronizados reduzem minutos críticos em rotas de ambulâncias e bombeiros.
Nada disso, porém, funciona sem regras claras. A começar pelo respeito à privacidade desde a origem: é importante que os dados permaneçam anônimos, guardar o mínimo possível de informações e proibir reconhecimento facial para qualquer ação que não seja relacionada estritamente à segurança no trânsito.
Os modelos precisam de auditoria contínua: quem treinou, com quais dados, em qual situação e se funcionam bem em regiões diferentes. Publicar os modelos e métricas por região (taxa de acerto e de falsos positivos) aproxima a sociedade do processo e ajuda a reduzir vieses. E sempre com um ser humano no comando: alertas críticos são validados no centro de controle, com protocolos bem definidos.
Como começar?
Faça um teste pequeno e mensurável: 90 dias em 5 a 10 cruzamentos. Meça coisas que importam:
Segurança: menos acidentes, menos “quase acidentes” nas travessias e menos quedas dentro do ônibus.
Resposta: atendimento chega mais rápido após chamado?
Fluxo: o trânsito anda melhor nos horários de pico? Ônibus tornam-se mais pontuais?
Economia: o que se economiza (menos acidentes e atrasos, mais produtividade) supera o que foi investido para instalar e operar.
Os recursos vêm quando os resultados se tornam claro. Exemplos: seguradoras interessadas em reduzir sinistralidade podem cofinanciar projetos. Contratos de instalação de semáforos podem incluir metas de segurança.
Fundos de mobilidade ativa podem equipar travessias e ciclovias. Realocação inteligente de multas pode fechar o ciclo virtuoso: educar, fiscalizar, tratar pontos críticos e medir resultados com transparência.
Para fornecedores, o recado é a interoperabilidade aberta, baixa latência, métricas verificáveis e cibersegurança séria. Para gestores, vale instituir comitê intersetorial (trânsito, saúde, segurança, TI e jurídico) com atas públicas, indicadores mensais e aderência plena à LGPD.
O ganho cultural é trocar o reativo pelo preventivo: sair de investigar o acidente para atuar sobre os sinais que o antecedem – a hesitação do pedestre, a esquina com visão obstruída, o ponto mal posicionado.
IA para segurança viária não é Big Brother; é big signal: infraestrutura que enxerga melhor para agir melhor, com ética e foco em gente. Se há um lugar onde tecnologia precisa provar valor é no segundo que separa o susto da colisão. Nesse segundo, cidades inteligentes salvam vidas.
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Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão
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