Obras no Minhocão: Prefeitura de São Paulo vai gastar mais de R$ 60 milhões
Vale lembrar que Plano Diretor Estratégico da cidade prevê sua completa desativação como via de tráfego, ou mesmo sua demolição ou transformação em parque, até 2029
A polêmica acompanha o Elevado João Goulart, nascido como Costa e Silva e popularmente chamado de ‘Minhocão’, desde sua inauguração, há 52 anos. Começou a funcionar sob protestos de moradores
da região, que se queixavam do barulho, da falta de privacidade e da poluição, o que acontece até hoje.
Assim, a mais recente discussão dessa história começou em agosto, quando a prefeitura lançou uma concorrência para reforma da via, com trabalhos que compreendem consertos superficiais em concreto, substituição ou reparação de juntas de dilatação, entre outros, com gasto estipulado em mais de R$ 60 milhões.
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Aqui é importante lembrar que o Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE), de 2014, prevê, até 2029, sua completa desativação como via de tráfego, e até mesmo sua demolição ou transformação, parcial ou integral, em parque. Para comentar esse e outros assuntos relacionados, conversamos com Suzana Leite Nogueira, especialista em mobilidade urbana na Lenog Arquitetura.
Faz sentido investir mais de R$ 60 milhões nessa reforma?
Suzana Leite Nogueira: Há dois fatores importantes que devem ser considerados, começando pela condição da estrutura, que precisa ser avaliada e sanada a qualquer momento, reduzindo assim a exposição de qualquer pessoa aos riscos.
Portanto, cabe à Prefeitura de São Paulo ações preventivas ou mesmo emergenciais, conforme o caso. O segundo aspecto é que o atual Plano Diretor da cidade define que o Minhocão será desativado para carros até 2029, o que torna sem sentido uma reforma de grande porte para sua recuperação. Aqui vale reforçar que a prefeitura ainda não elaborou, até hoje, o respectivo projeto para essa desativação.
Em outras palavras, é claro que uma obra que ficou mais de 50 anos sem nenhum cuidado necessita de reparos, mas os mesmos deveriam ter como base um projeto de uma fase intermediária, tendo em mente sua desativação, de forma a otimizar custos, reduzir impactos e possibilitar, inclusive, a oportunidade de ampliar o uso dos modos ativos e transporte coletivo nessa etapa da intervenção.
Considerando que a verba virá do Fundurb, essa será, na sua visão, um uso correto desse recurso?
Suzana: O Fundo de Desenvolvimento Urbano(Fundurb) foi concebido para financiar o desenvolvimento urbano da cidade, seguindo as diretrizes do Plano Diretor Estratégico, alinhado à Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), e previa a destinação de parte dos recursos para o transporte coletivo (ônibus) e modos ativos (pedestres e ciclistas).
Recentemente, houve uma alteração legal que permitiu o uso do fundo para recapeamento, o que não favorece o princípio que o gerou. Da mesma forma, o uso dos recursos do Fundurb para a obra de recuperação estrutural privilegia a circulação de veículos individuais motorizados, distorcendo a prioridade dos investimentos no transporte coletivo, como a execução de faixas e corredores de ônibus, e nos modos ativos de transporte, com a execução e a requalificação de calçadas, ciclovias e ciclofaixas.
O elevado apresenta condições apropriadas para quem caminha ou pedala?
Suzana: Por mais que ele já seja utilizado para modos ativos de transporte, como caminhada e bicicleta, as condições deveriam ser melhoradas para atendimento a esses modais. Atualmente, ele é pouco atrativo pela limitação de acessos, falta de áreas de descanso e de apoio e de áreas verdes.
Vale lembrar que a prefeitura apresentou, em 2019, um projeto de requalificação do Minhocão e entorno, ampliando os acessos, requalificando as áreas de circulação e permanência no elevado e no entorno, propondo áreas ajardinadas. O projeto, estimado, na época, em R$ 38 milhões, previa algumas etapas de execução, mas não avançou.
As obras trarão algum benefício a quem caminha ou pedala no local?
Pelo que o escopo apresentado indica, as melhorias focam estruturalmente na circulação dos veículos motorizados, valendo lembrar que o conceito viário do Minhocão é remanescente do desenho rodoviarista da década de 1970, um padrão que não dialoga com os espaços urbanos, escalas humanas, e que, portanto, não traz o conceito de vias seguras para as pessoas.
A obra pode trazer algum benefício ao trânsito da cidade e, consequentemente, à qualidade do ar? Esse investimento tende a manter a atual situação de circulação de veículos individuais motorizados, o que, consequentemente, não reduzirá a emissão de poluentes nem trará impacto positivo ao trânsito.
Assim, a prefeitura poderia investir em mais um corredor de ônibus na Avenida São João, transportando cinco vezes mais pessoas e de maneira sustentável, o que contribuiria para a melhoria da qualidade do ar.
Saiba mais sobre o Minhocão
- ‘Presente’ de grego: O elevado tem 52 anos e foi inaugurado em 25 de janeiro de 1971, aniversário de São Paulo, pelo então prefeito Paulo Maluf;
- Apelido que pegou: Elevado Costa e Silva foi o nome dado, após sua construção, mudando para Elevado Presidente João Goulart, em 2016; mas ele sempre foi chamado pela população de Minhocão;
- Aberto para pessoas: Atualmente, a via se destina ao tráfego de veículos de segunda a sexta, das 7h às 20h, abrindo para pedestres e ciclistas, desde 2018, aos sábados, domingos e em feriados nacionais.
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