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Agência Solano Trindade: ‘quem tem dinheiro come e quem não tem come também’

Por: Rebeca Motta, Embarque no Direito . 12/04/2022

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Agência Solano Trindade: ‘quem tem dinheiro come e quem não tem come também’

Na periferia de São Paulo, organização fortalece a economia criativa

5 minutos, 28 segundos de leitura

12/04/2022

Por: Rebeca Motta, Embarque no Direito

Thiago Vinícius, da Solano Trindade, foi listado pela organização 50 Best como um dos 5o jovens que lideram uma transformação alimentar no planeta. Foto: divulgação

No Capão Redondo, zona sul de São Paulo, existe um espaço batizado com o nome do poeta popular e multiartista Solano Trindade (1908-1074). Por lá, o objetivo é intensificar ações empreendedoras dos moradores das periferias da região.

Fundada em 2009 por um grupo de amigos que atuavam no movimento cultural da zona sul, a Agência Solano Trindade surgiu para suprir necessidade e vontade de ter, na favela, um lugar para trabalhar, realizar e conectar saberes.

No Capão Redondo, zona sul de São Paulo, empreendimento social administrado por Thiago Vinicius honra a memória do poeta popular e multiartista Solano Trindade (1908-1074). Foto: divulgação

Thiago Vinicius, empreendedor Social e CEO da agência, conta que nunca aceitou que artistas como Raquel Trindade, ativista da cultura negra, artista plástica, coreógrafa e filha de Solano Trindade, tivesse que ficar na frente do computador enviando projeto na tentativa de obter algum patrocínio público ou privado, sem nenhuma garantia de sucesso nessa incursão.

Esse tipo de inquietação, que está no âmago da organização, assombrava Thiago desde a infância. Quando criança, testemunhou as iniciativas de sua mãe, a Tia Nice, para chamar atenção dos vizinhos e do poder público para que ela e outras mães pudessem criar os filhos com dignidade, lutando pelo direito a saneamento básico, creche e moradia no Campo Limpo da década de 90.

“A ideia surgiu da gente poder ter acesso economicamente e fazer nossas produções sem precisar de editais, mas fazer esse fortalecimento por nós mesmos”, diz Thiago. “Começamos fomentando e colocando grana nas produções artísticas de vários produtores de artes do nosso território”, conta.

Influenciado por essas questões que define como hierarquização da luta, Thiago desenvolveu desde cedo mecanismos sociais para melhorias por onde passava. Na adolescência, quando era aluno do projeto Arrastão, ele criou um sistema de coleta de lixo sustentável. Aos 20 anos, tirou do papel o Banco Comunitário União Sampaio, que tem moeda própria e, segundo Thiago, movimentou R$ 5 milhões no território em 2018.

Conhecimento, cultura, saúde e comida — No correr dos anos, a Solano Trindade criou uma feira anual de artes plásticas, literatura, música, dança, artesanato e gastronomia. É o Festival Percurso que, em 2022 chega à sétima edição do festival no formato online por causa da pandemia de covid-19.

O corpo da periferia é um corpo de direito. Ele quer livro dahora e alimento orgânico, quer receber festivais e artistas famosos na quebrada. Ele quer outras pautas além da violência (Thiago Vinicius, da Agência Solano Trindade)

A agência ocupa uma casa de cinco cômodos grandes dividida em salas de trabalho e agora também é coworking, uma estação com internet, equipamentos de informática e audiovisual para jovens e adultos. E há um estúdio para a Rádio Mixtura, que toca o som de artistas independentes, distribui notícias de outros veículos de comunicação do território e fornece estrutura para gravação de podcasts.

Combate à fome: na garagem espaçosa da Solano Trindade, funciona o Armazém Organicamente, um sacolão que só vende frutas, verduras e legumes orgânicos da própria horta, no município de Juquitiba, e de agricultores familiares da região de Parelheiros. Acima, Thiago Foto: divulgação

Saberes e sabores — Quem chega ao espaço encontra ainda uma série de sabores. São as receitas preparadas pela Tia Nice e a equipe do restaurante Organicamente Rango, que trabalha o resgate e a riqueza do aproveitamento dos alimentos. A dedicação com que são feitos os preparos chamou a atenção de chefs de cozinha renomados, como Alex Atala, e abriu caminho para que o local figurasse em guias e sites de gastronomia.

Os projetos abarcados pelos empreendedores e produtores da agência unem tecnologias sociais integradas, como economia solidária, articulação social, trabalho em rede para fortalecimento e incentivo à inovação social, cultura popular e sistemas alimentares para erradicação da fome.

Na pandemia — No primeiro ano de pandemia de covid-19 foram entregues cerca de 30 mil cestas básicas, com frutas, verduras e legumes orgânicos. Dentro de cada cesta também foram entregues livros de autores negros, a exemplo do infantil Amora (Emicida), do premiado romance Torto Arado (Itamar Vieira Junior), do livro-álbum dos Sobrevivendo ao Inferno (Racionais MC’s) e de Memórias da Plantação: Episódios de Racismo Cotidiano, da autora portuguesa Grada Quilombo. “Só livro novo e dahora. Principalmente o Amoras, que trabalha essa questão racial de forma lúdica com as crianças que foram muito afetadas nesse momento tão difícil”, afirma Thiago. Ao todo, a distribuição de alimentos chegou a 100 mil famílias no litoral e interior de São Paulo, além de ribeirinhos, pataxós e povos de terreiro. As populações também receberam máscaras de proteção, álcool em gel e 20 mil chinelos de dedo.

Nosso trabalho transcende o Campo Limpo e fortalece ações em mais de 12 favelas. Era como se a gente fosse um médico que ia receitando os recursos caso a caso (Thiago Vinicius, da Agência Solano Trindade)

O trabalho que a Agência Solano Trindade desenvolve há 13 anos trouxe reconhecimentos, como um primeiro lugar em concurso de poesia no Sarau da Cooperifa, um dos mais importantes da zona sul, e o Prêmio Carrano de Luta Antimanicomial e Direitos Humanos, pelo trabalho de economia solidária.

Em julho de 2022, Thiago viaja à Espanha para representar a equipe na nomeação dos 50 jovens que estão moldando o futuro da alimentação no planeta. O 50 Next faz parte da organização 50 Best, reconhecida por outras listas globais de gastronomia. “Nós aqui na nossa humildade conseguimos distribuir mais de cem mil marmitas nesses dois anos. São Paulo é a capital dos restaurantes e ainda assim tem muita gente com fome”, afirma Thiago. “Tem alguma coisa errada nessa conta. Esse prêmio coroa ‘todas as tias Nice das favelas’ e coloca minha mãe como uma geradora de saberes e sabores. Há um conhecimento aqui também. O prêmio deu bastante luz para o modelo de negócio que desenvolvemos aqui. Aqui quem tem dinheiro come. Quem não tem come também, já que nosso empreendimento é totalmente ligado ao nosso sonho de dignidade”.

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