No Rio de Janeiro, patrimônio histórico está abandonado
Sem atenção do governo estadual, Fazenda do Capão do Bispo quase pegou fogo em março deste ano; incêndio atingiu a vegetação ao redor
Tombada desde 1947 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Fazenda do Capão do Bispo — fundamental na pesquisa de construções coloniais do século 18 — está em péssimo estado de conservação. O imóvel no bairro Del Castilho, vizinho da favela do Jacarezinho, do Complexo do Alemão e do Inhaúma, ocupa uma área de 250 metros quadrados.
No dia 12 de março de 2022, a vegetação ao redor da casa pegou fogo. As análises técnicas do Iphan dizem que o incêndio não atingiu as estruturas da construção colonial que fica ao fundo do terreno e parte da cobertura, para não cair, é escorada de um jeito improvisado.
Segundo o vice-presidente da Associação dos Amigos do Capão do Bispo, Aylton Mattos, 59, o incêndio começou por volta de 11h. Comerciantes e moradores do bairro contam que o Corpo de Bombeiros atribuiu o acidente à altura do capim, que, sem manutenção, chegava a mais de dois metros de altura.
A Fazenda do Capão do Bispo fica em uma região carente de centros culturais, bibliotecas, museus, oficinas de arte e de tecnologia. O local também é vizinho de favelas com populações numerosas, sendo assim, a preservação e a manutenção regular beneficiariam um público amplo.
A Associação dos Amigos do Capão do Bispo, criada e mantida por moradores locais, comerciantes, pesquisadores e historiadores, reivindica a proteção do local desde 2017 e alega negligência com a manutenção do patrimônio por parte do governo estadual e da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, responsável pela preservação do espaço. Além de manifestações realizadas em defesa do patrimônio histórico, a associação recebeu algumas vezes a visita da equipe técnica do Iphan. A última foi logo depois do incêndio.
De acordo com Aylton Motta, vice-presidente da associação, o único poder público que vai constantemente ao local é o Iphan, que constata as irregularidades e multa o Estado. “A Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa não está nem aí pra gente. Desde a gestão do ex-governador Pezão, nós procuramos a secretaria. A ideia é transformar o local no Museu da Escravidão e num centro cultural que ofereça cursos e atenda a juventude aqui das comunidades”, diz Aylton. “Apresentamos um projeto de reforma e orçamento, mas nada foi feito.”
Questionada pela reportagem, a Secretaria respondeu por escrito e disse que faz vistorias constantes. A última foi no dia 15 de março. “Os órgãos competentes já foram acionados para investigar as causas do incêndio. A Secretaria não dispõe de orçamento no momento para revitalizar o espaço e estuda meios de ocupação do local, através de parceiros, para viabilizar o projeto de reforma da Fazenda do Capão do Bispo”, diz a nota.
O Iphan não respondeu, mas em reportagem publicada pelo jornalista Júlio César Lyra no jornal “Extra”, no dia 15 de março de 2022, a entidade diz que há algum tempo alerta o Governo do Estado do Rio de Janeiro sobre a “situação de abandono do bem cultural”. O instituto reitera que, conforme observado em fiscalizações recentes, a Fazenda do Capão do Bispo é considerada “em péssimo estado de conservação”.
“No final de 2021 o Instituto emitiu auto de infração contra o Estado, conforme indica processo disponível ao público pelo SEI (01500.003150/2019). O documento foi também enviado ao Ministério Público. O Iphan é o órgão fiscalizador do Patrimônio Cultural brasileiro. À autarquia cabe fiscalizar o bem cultural e orientar o proprietário em sua conservação, bem como solicitar intervenções. Já ao responsável pela propriedade cabe a conservação e manutenção do bem, o que inclui promover as obras necessárias”, indica um trecho da matéria.
Importância histórica — Rachel Lima, professora, pesquisadora e historiadora, mora no Del Castillo. Ela explica que a Fazenda do Capão do Bispo era uma das mais importantes da antiga Freguesia de Santiago de Inhaúma e um dos primeiros núcleos disseminadores de mudas de café rumo ao interior, para as plantações que iriam representar a maior riqueza da província fluminense e do país no Segundo Reinado. Rachel é autora do livro e escreveu o livro Senhores e Possuidores: Propriedades, Famílias e Negócios na Terra do Rural Carioca Oitocentista (Inhaúma, 1830-1870).
“A Casa do Capão do Bispo foi construída no final dos setecentos e pode ser considerada um símbolo da arquitetura vernacular brasileira”, diz Rachel. “Pertenceu ao Bispo José Joaquim Justiniano, o primeiro bispo nascido no Brasil, até sua morte, em 1805. Depois de sua morte, sob a administração do sobrinho-neto do bispo, Jacinto Furtado de Mendonça, foram abertas algumas ruas e loteamentos nas terras do Capão do Bispo, nos bairros de Cachambi e Todos os Santos”, explica a pesquisadora.
No dia 13 de abril, a Associação dos Amigos do Capão do Bispo participou de uma reunião com o poder público. O projeto foi novamente apresentado ao Governo do Estado. Mas, segundo o grupo, o encontro não trouxe nenhuma novidade para a causa, porque “depende da decisão política da secretaria”.
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