Plataforma de inclusão prepara refugiados e migrantes para o mercado de trabalho

Em parceria com a ONU, a Toti Diversidade já ajudou na colocação profissional de 290 pessoas. Foto: divulgação

12/04/2022 - Tempo de leitura: 4 minutos, 12 segundos

Quando trabalhava em Centros Integrados de Educação Pública na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, a hoje aposentada professora de inglês Thaís Amaral, de 69 anos, mal sabia que seu jeito de dar aulas e se relacionar com os alunos mudaria a vida da própria neta. Bruna Amaral, de 23 anos, se inspirou na avó para se tornar uma das fundadoras da plataforma de ensino e inclusão Toti Diversidade.

A relação de respeito, carinho e acolhida junto aos estudantes das escolas públicas — que incluía produção de peças de teatro a suporte nos momentos de dificuldade financeira — motivou a criação da primeira instituição do Brasil especializada em formação e empregabilidade de pessoas refugiadas, apátridas e imigrantes em situação de vulnerabilidade social.

A Toti oferece cursos gratuitos para refugiados, apátridas e imigrantes, com foco no mercado de trabalho de tecnologia. A instituição faz parcerias para desenvolver profissionais que se encaixem em perfis e vagas. O objetivo é impulsionar a empregabilidade

Menina do Rio — Graduada em negociações internacionais, Bruna nasceu e foi criada no Rio de Janeiro. O sonho era ser diplomata e desde o ensino médio estudava as provas aplicadas para ingresso no Itamaraty. Mas ao ingressar no Cefet, a oportunidade de trabalhar em uma incubadora de projetos sociais remeteu ao que via na infância e permitiu a ela realizar projetos na área de educação. Como a avó já fazia.

Por meio do Enactus Brasil, um programa de empreendedorismo social semelhante a uma extensão universitária, aos 18 anos Bruna e colegas do fizeram as fundações do que viria a ser a Toti, que oferece cursos de qualificação em tecnologia, mantém uma taxa de contratação em 74% e em seis anos ajudou na contratação de 290 pessoas, em parceria com organizações que apoiam povos estrangeiros, a exemplo da Agência da ONU para Refugiados (Acnur).

“Queríamos ajudar os refugiados que chegavam ao Rio de Janeiro e resolvemos ir para um lado profissionalizante e de geração de emprego, porque essa é a grande dificuldade de quem vem sofre racismo e xenofobia no local de trabalho”, explica.

Em 2018, a primeira turma se formou. Eram todos do Congo. A partir daí, a empresa investiu na empregabilidade deles em companhias como o Grupo Globo, Nubank e o banco Neon.

Do Rio para o Brasil — O programa se consolidou em todas as regiões do País, e para se sustentar passou a cobrar das empresas pela intermediação dos alunos. Os estudantes não pagam pelos cursos de cinco meses divididos em quatro modalidades: Análise de Dados, Programação de Desenvolvimento Front End, Desenvolvimento Back End e Desenvolvimento Full Stack.

A primeira preocupação está em nivelar o conhecimentos, incluindo tanto quem tem experiência na área de tecnologia quanto quem dá os primeiros passos na informática. O conteúdo das aulas vai de conhecimentos técnicos a ferramentas de empregabilidade, como elaboração e divulgação do currículo.

Marta e Severino — A maior parte dos beneficiados, conta Bruna, não conhece a lógica de programação. A formação escolar deixa claro que as barreiras para inclusão no mercado de trabalho são baseadas no preconceito. Em 2019, uma pesquisa da Acnur revelou que 34% dos refugiados que moram no Brasil têm ensino superior. Entre os estudantes da Toti, 28% têm pós-graduação.

Para os angolanos Marta Tonet e Severino Armando, ambos de 25 anos, ingressar na Toti mudou tudo. O casal chegou ao Brasil em 2019 ao lado da filha de três anos e com uma bolsa de estudos da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). O valor pago só dava para o aluguel, então a família se mudou de Acarape, no interior do Ceará, para São Paulo. O problema é que no meio do caminho havia uma pandemia.

Com o mercado de trabalho já em retração, os três passaram fome e conheceram o peso de ser africano em solo brasileiro. “Aqui eu descobri o racismo. Além de mulher, sou negra e, nas entrevistas de emprego, as pessoas não se abriam para conhecer minhas habilidades técnicas, logo já me eliminavam”, diz Marta. Severino conta que quando chegava a etapa presencial, ou após a conferência de vídeo, os salários baixavam e o tempo de resposta para a vaga era muito mais demorado.

Com a qualificação e a intermediação da Toti, no entanto, Marta consegui uma vaga de analista de tecnologia da informação no banco Neon e Severino foi contratado pelo Grupo Globo, onde é analista de sistemas.

A maior parte dos refugiados chega da Venezuela, mas também há muitos homens e mulheres do Congo, da  Síria e, recentemente, houve um crescimento de povos da Ucrânia. Ao todo, são 21 nacionalidades na empresa, com histórias de fuga da guerra ou em situação de restrição social.