2025: o ano da (redução de) velocidade
O Brasil falhou. Mais de 30 mil pessoas morrem anualmente no trânsito brasileiro, e essa tragédia é a principal causa de óbitos de crianças e adolescentes.
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19/03/2025

Imagine que o mundo enfrenta uma crise de saúde pública e que a vacina é acessível, mas, por razões políticas, muitos países a negligenciam.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) ficou marcada na memória recente por coordenar esforços globais no combate à covid-19 em meio ao ruído do negacionismo. Em fevereiro passado, foi a epidemia de mortes no trânsito que levou a agência da ONU a reunir lideranças internacionais na 4ª Conferência Ministerial Global sobre Segurança Viária, em Marrakesh, no Marrocos. O evento escancarou um problema de longa data – as 1,2 milhão de mortes anuais nas ruas e estradas do mundo – e a urgência de os países adotarem o antídoto mais eficaz: a redução das velocidades. Quem tem coragem de bancar essa decisão no Brasil?
Queda tímida
A Declaração de Marrakesh, publicada ao fim da conferência, reforçou o compromisso assumido há mais de uma década, de reduzir à metade as mortes no trânsito globalmente. O Brasil falhou. Mais de 30 mil pessoas morrem anualmente no trânsito brasileiro, e essa tragédia é a principal causa de óbitos de crianças e adolescentes. Entre 2011 e 2020, a queda nas fatalidades foi tímida e, nos últimos anos, a tendência de alta preocupa.
Um estudo publicado na The Lancet estimou que limites de velocidade seguros poderiam salvar mais de 347 mil vidas por ano. Experiências concretas têm se multiplicado, com resultados expressivos. Na França, após a diminuição dos limites em rodovias secundárias de 90 km/h para 80 km/h, as mortes caíram 12%. Em Oslo, na Noruega, os atropelamentos fatais foram zerados em 2019. Na Nova Zelândia, medidas de moderação de tráfego reduziram em 30% as fatalidades urbanas.
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Redução da velocidade: agenda impopular
Fortaleza foi uma das capitais brasileiras a alcançar a meta da ONU, reduzindo suas mortes no trânsito em quase 58% entre 2013 e 2024. Nas vias onde o limite foi reduzido para 50 km/h, a queda nas fatalidades chegou a 68%.
Mas a capital cearense é uma das honrosas exceções que confirmam a regra: a redução de velocidades é uma agenda impopular. Se os prefeitos hesitam em assumir esse custo político sozinhos, cabe lembrar que a responsabilidade pela segurança viária é compartilhada. Mais respaldo da legislação federal pode dar o empurrão que falta para que as cidades reduzam limites de velocidade, em um pacto nacional para salvar vidas.
O Brasil já dispõe do Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), que prevê ações como a redução dos limites de velocidade e a regulamentação da fiscalização de velocidade média. Se implementado corretamente, o plano pode salvar 86 mil vidas e evitar gastos de R$ 260 bilhões com saúde pública e previdência até 2028.
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Fiscalização efetiva
Mas o cumprimento desse potencial depende do Congresso Nacional. Aguarda votação o Projeto de Lei das Velocidades Seguras (PL 2789/2023), que propõe reduzir para 50 km/h a velocidade máxima em avenidas e regulamentar a fiscalização por velocidade média, uma ferramenta essencial para evitar freadas bruscas e garantir um trânsito mais seguro. A aprovação do projeto seria um marco na segurança viária brasileira.
Cabe sublinhar: a fiscalização efetiva é necessária e salva vidas. Londres, que expandiu sua rede de fiscalização por velocidade média, reduziu em 50% os sinistros fatais. No Brasil, dada a gravidade do problema, essa medida poderia ter impacto ainda maior. Mas ainda assistimos a cenas como a do prefeito de Marília (SP), que cortou os cabos dos radares alegando “sofrimento financeiro ao povo”.
Este ano, mais de 1 milhão de brasileiros escolheram a mensagem “Desacelere. Seu bem maior é a vida” como slogan oficial da campanha educativa do Sistema Nacional de Trânsito. Embora muitas pessoas só tenham contato com a mensagem ao ouvi-la ao fim das propagandas de carros, a escolha traz junto o otimismo de que 2025 seja o ano da redução de velocidades.
O Congresso Nacional já contribuiu para avanços que salvaram milhares de vidas, como a Lei Seca e a obrigatoriedade do capacete. Agora, pode selar um novo capítulo dessa história e fazer do Brasil uma referência em segurança viária, protegendo vidas e economizando bilhões de reais.
Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão
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